sábado, 29 de novembro de 2008

Sacrifício

Essas violentas alegrias têm fim também violento, falecendo no triunfo, como a pólvora e o fogo, que num beijo se consomem. O mel mais delicioso é repugnante por sua própria delícia, confundindo com seu sabor o paladar mais ávido. Tem, pois, moderação, que o vagaroso, como o apressado, atrasam-se do pouso.




Shakespeare, ao pé do ouvido.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Oh Shi--

Num primeiro momento, fui tolo por acreditar que seria uma viagem de negócios; uma simples conferência, à qual me apresentaria e ponto final. Voltaria pra casa no Domingo de manhã, e continuaria a estudar. Foi uma viagem formal, até certo ponto. Apresentei minhas idéias, fui aplaudido de pé. Aí minha colega me chamou pra beber, e aqui estou. Não, não “estamos” – ela levantou há uma hora e voltou pro apartamento depois de receber uma ligação do namorado. Claro, não esperava que acontecesse alguma coisa entre a gente, mas tampouco tinha um boteco como idéia pro fim de Sábado; não costumava beber em viagens assim.

Num segundo momento, minha tolice veio de uma coisa tão corriqueira que qualquer um cairia nela: qual o problema em achar que seria uma viagem normal? Qualquer um faria, não? Então. Ponto final. Deu-se que não está sendo uma viagem normal. Estou num bar meio bizarro, num Estado que não conheço e que não é o meu, aquele no qual nasci, e todos os rostos que aqui figuram – rindo, bebendo, transando ou fazendo merda – são todos familiares. Parece que não é a primeira vez que os vejo, apesar de ser justamente essa a situação. É como um déjà vu bizarro. Sempre foi assim, só não me acontecia há uns anos. Na verdade se fosse esse o problema maior eu estaria bem pra porra.

A maior prova de que aquela era uma viagem fodida (e nem um pouco normal) foi quando a porta do bar abriu. Eu estava no balcão, olhando o longo espelho que fica na parede, logo atrás das bebidas, e vi a porta abrindo. Foi estranho. No exato momento em que isso se deu meu estômago virou. Não foi um friozinho de merda, não: foi uma reviravolta do cacete. Meu cérebro nem precisou pedir: a respiração se prendeu e eu quase estourei o copo de vidro que continha o uísque. Era você. Era você abrindo aquela bosta de porta, eu senti. Tava tudo num slow motion fodido desde que a maçaneta girou, que tocou o sininho, que a porta demorou horas pra abrir. Você nunca me disse que teu perfume viajava à velocidade da luz, ou que sabia fazer o tempo parar. Ninguém nunca me disse que bruxas tão fodidas e más que nem você podiam ser tão bonitas. Tão gostosas, tão atraentes. Era a tua mão gorda abrindo a porta, era eu me segurando pra não cair da cadeira e deixar meu intestino escorregar seus nove metros pela minha boca. Era você mesma entrando, e, porra, isso não era possível! Era você mesma. Sua bruxa filha da puta, por que aqui? Por que hoje? Por que você não está, sei lá, dando pra alguém? Por que veio ao bar?

Vi tudo pela merda do espelho. Você entrou, alta pra cacete, mais alta que eu; e usava salto plataforma, ainda por cima, como se não satisfeita com o metro e oitenta que deus te deu. Sua vaca, como você é bonita. Ciências biológicas, não é? É interessante, afinal; mas não valeria a pena se eles não ensinassem qual fruta bonita é venenosa e qual é saudável. Eu sequer te comi, mas passo mal sempre, sempre, sempre que você ressurge. Ressurge, vadia, e é do inferno, pode confessar. Sempre quente. Decote filho da puta, espartilho filho da puta. Saia de merda. Cabelos soltos. Olhos delineados. Caralho, sangue de quem você chupou esta noite pra ficar com esses lábios? Confessa. Confessa que você matou os mil caras que te olharam do caminho de casa até aqui, e sugou todos eles. Chupou todos eles, não importa onde, até esfolar a boca, até deixá-la tão vermelha e brilhante quanto está. Eu sei de tudo. Sei do pacto que você fez com o diabo pra que ele te desse esses dentes perfeitos. E você exibe com orgulho. Vê que o bar está cheio, cheio de oportunidades, cheio de caras pra te arrombar no fim da noite. E não me viu. Pra você eu sou o cara gostoso, mas que já bebeu demais. E você pensa isso pelo fato d’eu estar ofegando que nem um cachorro. Por eu ter perdido o fôlego assim que eu te vi. E você sabe que eu sei. Você sabe que não vai dar pra mim, e que eu não vou comer você. Por isso você caminha até mim. Disfarça, olha pra tudo quanto é lado, me ignora. Eu me curvo ao balcão, arregalo os olhos; seu perfume me dá ânsia, sua presença me dá asma, o ar que você locomoveu pra sentar no banco ao meu lado quase que me congelou por completo. E sentou ali só pra me provocar; só pra acabar de me foder.

“Me traz uma dose de absinto”. Filha da puta. Absinto é álcool pra cacete. Espero que você morra disso. “Qualquer um. Hehe, o mais verde que o senhor tiver!”. Flertou com o barman. Que vadia.

Que merda. Eu ofego, quero vomitar em cima de você. Quero amassar tua cara e destruir teus dentes branquinhos. Esfrego os olhos, mas a sensação não passa. Meu corpo tá todo arrepiado, eu me sinto fraco pra cacete e meu estômago não existe mais. É força pra tirar a carteira do bolso, abrir e jogar a grana no balcão. Só.

“Ô piá, tá passando bem?”

...

...

A mesma voz de sempre, falsamente preocupada – e quer saber de mim. E dessa vez quem tem a vantagem sou eu. Eu sei das coisas, você não sabe, você não me reconheceu: você se fode. Não vai mais me torturar. Não vai me torturar mais.

Ponho a nota de dez do lado do copo, com uma dificuldade do diabo. Levanto quieto, boquiaberto, absorto. Afirmo a jaqueta, caminho desesperado pra saída do bar, sem olhar pra trás. Ainda lembro do caminho até o hotel, mas não vou de carro. Primeiro porque a minha colega levou o carro. Mas não vou ligar pra ela. Não, nem fodendo. Preciso sair daqui o mais rápido possível. Táxi. Táxi. Qual a cor dos táxis nesse Estado de merda? Cadê os táxis?

Foda-se, bastou chegar um.

E me mandei.


Zé Eduardo Martin Roquetti
a 31 de Março de 2008

domingo, 16 de novembro de 2008

Hero Off-Time • Dethrone Reality

post extenso!

*

Acho que o Off-Reality está se tornando cada vez mais um blog.
E não é? , vocês perguntam.
Não. Acho que não.

Acho também que nunca falei sobre esse espaço virtual, falei?
Falei apenas a alguns íntimos, com a esperança de que eles estivessem interessados. E sinceramente jamais saberei se estavam ou não. Pressuponho que vocês, visitantes eventuais desse Blog, estejam interessados. Porque acho que percebi que se eu dependesse dos meus textos para que as pessoas me entendessem, eu estaria perdido. E que se eu dependesse também da vontade e do interesse alheio (ou da visão que eu tenho dele) pela minha pessoa, eu me crucificaria. Dez vezes seguidas.

História, por um Historiador em formação:
Meu primeiro blog teve casa do IG, nos tempos em que a sigla ainda queria dizer "Internet Grátis", e que tinha um cachorrinho como mascote. O blog tinha um nome infantil e não sei se tinha um propósito além de falar bobagens e ser uma ferramenta para me integrar ao círculo de amizades que eu acreditava ser o máximo. Digno de um moleque de treze anos.
Foi assim também com um Fotolog do Terra e com um Weblogger. E foi assim com um Fotolog.net (agora .com). Modas que ao longo do tempo eu aderi para me sentir integrado, e que também ao longo do tempo caíram por terra. Tinham sua função de diário, é verdade, mas eu queria ter porque as pessoas tinham.
Isso evoluiu enquanto eu usava o Fotolog; mesmo que eu dificilmente tivesse fotos pra postar, eu postava quando precisava dizer algo, e sempre dizia. Como chamei à atenção num dos aniversários do fotolog, eu sempre dizia - da minha maneira, mas dizia. Acho que então comecei a querer dizer mais coisas. Não sei bem. Sei que queria novamente um Blog, para manter juntamente com o /calico_jack.
Ambiciosamente, projetei dois Blogs: num deles eu seria alguém compromissado a me ausentar do mundo real, e colocaria ali todas as minhas tralhas que eu pudesse chamar de Sonho. Tudo que eu considerasse artístico de minha parte, todo escrito, todo vômito de palavras, tudo ali. No outro eu me comprometeria a relatar minha pessoa com uma personalidade assumida de Herói; seria um diário, e ali estaria minha vivência e minha experiência da forma mais objetiva possível.
O primeiro seria o Dethrone Reality; o segundo, o Hero Off-Time.
Porém, na época bateu-me uma onda de desânimo muito forte. Desconsiderando qualquer potencial que eu tivesse para destronar a realidade ou para ser um Herói fora tempo , abandonei os projetos. O Dethrone Reality tinha até uma "arte" visual, caseira, amadora, mas muito própria e significativa à sua maneira:Sob esse desânimo os projetos foram esquecidos e retomados só num momento de mais esperança. Talvez ainda não tivesse pique, no entanto, para manter dois blogs, então os fundi num só: o Off-Reality, que juntava o nome dos dois, e, supostamente, a temática de ambos; a identidade dos blogs também se fundiu, mesmo que só tivessem existido na minha mente. O começo do Off-Reality marcou também o começo de uma relação fadada ao fracasso, e o /calico_jack ainda era meu principal meio de comunicação, como se eu privasse o blog de postagens banais e só guardasse pra ele aquilo que eu visse como relevante de verdade. Por isso, como o relacionamento, o blog estava fadado ao fracasso. Depois de um tempo, as coisas desandaram e eu me vi num inferno emocional sem precedentes, que me levou ao desligamento do /calico_jack e à reforma do Off-Reality, definido como uma ferramenta de recomeço.
O Off-Reality, desde então, tem sido minha ferramenta principal de expressão. E quem acompanhou, ou quem se aventura a olhar por esse meu passado virtual, percebe que essa expressão dificilmente é satisfatória. Percebe que nunca deixei para trás a idéia de que o blog só merecia conteúdo "relevante" ou relevantemente concluído - um depósito pra minha arrogância. Percebe, pois quando falo da minha vida pessoal abertamente (ou não), a tag que eu coloco é bobagens.

E são bobagens, são falácias mesmo, de verdade.
Até agora, passado pouco mais de um ano dessa nova "vida" do blog, ele nunca viu completa sua função inicial: ajudar a recomeçar. Eu nunca admiti, mas ajudou. É difício admitir o papel das virtualidades.


Por onde eu (re)começo?
Basta dizer que um dia eu sonhava. Que um dia eu sonhava alto, e que um dia eu caí. Não houve caçador. Não houve quem tivesse cortado minhas asas. Não houve quem tivesse me jogado no chão.
O que houve foi auto-sabotagem. Não havia assassino ou coveiro de meus Sonhos que eu não pudesse enxergar quando encarasse um espelho. Já mortos, enterrei os Sonhos, dei-lhes um mausoléu de vidro e um milhão de flores como túmulo, culpando uma mentira durante um ano ou mais por um fracasso que eu quis cometer.
Desenterro-os, então, para reconstruí-los, e não para chorar sobre seus cacos.

Desse drama, acredito, já passei.
Quero minha megalomania de volta para poder, quem sabe com isso aqui, quem sabe dessa mesma maneira, reafirmar-me como Herói.
Herói atrasado.
Herói sem tempo.
Herói descompassado.
Herói de outros tempos.
Herói do tempo, com erro gramatical de língua estrangeira.

Pirata, pateta ou poeta:
eu sou uma bobagem desnecessariamente grande que talvez não valha a pena desenvolver.
=)

Sem mais.
Até.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Cavanhaques e mimimi


Diretamente do espetáculo "Em Breves", a Cia. Barbixas de Humor - pessoas com talvez tanta barba quanto eu, mas certamente donos de um humor mais refinado.
Fodão.

E os caras ainda são capazes de abrir uma promoção pra Blogueiros!
Eu não me considero "blogueiro", mas o blog está sob as condições estabelecidas pela promoção, então é válido.

Pra participar e ganhar dois ingressos gratuitamente, o blogueiro precisa ser blogueiro de postagem frequente há seis meses ou mais, postar um vídeo do espetáculo "Em Breves" e enviar o link da postagem à Cia. Barbixas de Humor para conferência, confirmação e comunicação entre as partes.
A Cia. Barbixas de Humor é composta por Anderson Bizzocchi, Daniel Nascimento e Elidio Sanna, também participantes do espetáculo² Improvável. Mais informações no site dos caras.

É isso aí.
Sinto-me uma puta bem paga, depois desse post.
Abraços bem-humorados aos rapazotes.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Ou sorrindo.

Ontem finalmente as coisas chegaram num ponto de tamanho caos que assistir aulas saiu de cogitação. O sono (ou a falta dele), as coisas que precisava fazer, as questões nas quais (não deveria, mas) precisava pensar - o ponto de equilíbrio e de coesão que eu queria estabelecer; me fizeram tomar a rota de casa ao invés de sentar pra aula.
Cambaleei o caminho inteiro, escutando a mesma música e admitindo que o frio não era pela falta da blusa. Cheguei. Tapei o buraco dos dentes com alguma coisinha (o nó na garganta não deixava a comida passar, os solavancos no estômago não faziam boas promessas).
Minha sôfrega confusão me encarcerou no quarto para outras horas de quem sabe algumas surpresas. Me pediu um sorriso, como se pedisse um cigarro ou fizesse uma piada de humor inglês. Desfiz-me dos meus olhos de ressaca, pois não havia no meu mundo dente que não quisesse lá no ínfimo se exibir à rainha. E nervoso e incerto e sincero, ri de dentro, rodeado de coincidências intangíveis e das surpresas que ela quisesse.


Além de continuar o que quer que eu esteja fazendo, agora é apertar os olhos, cruzar os dedos e abraçar os joelhos pra que hoje e ainda amanhã eu também esteja num lugar mais morno, apertado e aconchegante do que esse vasto e laminado quarto.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Semi-presencial

Jurava que já havia passado da época de tomar bronca por conta dos horários, mas eram três da matina quando minha mãe, descabelada e madrugal, entrou no meu quarto. E eu não estava gritando; ou ouvindo música; ou rindo alto. Ou sorrindo. Ela deve ter acordado e ficado nervosa, deus sabe lá porque hoje; deus sabe lá porquê. Talvez hoje tenha sido um estopim.
Entrou, e eu, com meus recém-feitos dezoito anos; eu, sem aparente juízo na cabeça por passar outra madrugada em claro; eu, que se continuasse naquela condição, naquela situação deplorável (grifo meu) seria encaminhado a um médico; escutei.
Tá. Calmaí, que médico? Ela já tinha saído do quarto, voltou, talvez pra conferir se eu falava sério quando perguntei aquilo. Respondeu sem jeito. Psicólogo. Psiquiatra. Tá, eu consenti. Sem a certeza de que ela havia compreendido minha seriedade sobre, se ela me concederia a regalia de alguém pago para me escutar, foi dormir. Eu não fui.

Não por pirraça. Sem julgamentos, sei porque fiquei.
Dessa forma, se não passou o tempo das broncas, o da pirraça, ao menos, se foi. Mesmo assim, não retorna o sentimento de, pela primeira vez em tempos, estar fazendo a coisa certa. Não volta. O sono de novo é inútil (isso volta), o desânimo consome (isso volta), visto luto.

Sinceramente queria que chovesse hoje. Mas faz sol e o sol ressalta a desimportância dos dramas.