quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

o que resta de mim

como dói o fim de uma paixão!
mas tem que ser assim
não tenho ar prá respirar
e não sei onde guardar
o que resta de mim!


~ ~ ~


nem sou o autor, ó.
apesar de querer ser. eu e o henrique achamos esses versos numa das telas em exposição no Conjunto Nacional. pior é que não consigo achar dados sobre a exibição dos quadros, que eram colagens, stencils, pinturas e escritos em tela. logo, não tenho nada sobre o autor dos quadros do poema.
fez uma mistura muito legal, o cara.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

transição

A criatura deixou as sombras assim que a criança sentou-se na cama e largou os cobertores que apertava contra o peito um minuto atrás.
"Você deveria estar com medo. Muito medo.", o monstro sibilou com sua voz gargântica, que mesmo no mais baixo dos volumes fazia o coração da criança bater mais rápido, como tremem as portas de uma casa mal-construída quando na rua passa um caminhão. E falava baixo, de fato, pois não queria acordar quem dormia nos quartos vizinhos: para que suas noites fossem satisfatórias só precisava se comportar tal qual um ladrão sorrateiro e assaltar suas vítimas sem que fosse percebido. Assim, aproximou-se mais um pouco dos pés da cama e concluiu: "Mas não está."
"Não estou mais."
"Mas deveria."
"Não mesmo. Olha só, sequer faz sentido." A criança se arrumou na cama, sentando para um dos lados e deixando o outro vazio, amassado. Deu leves tapinhas no espaço livre que deixara e o monstro se aproximou, correndo nas pernas curtas e sentando-se na cama num pulo só. Era comportado e não fazia peso contra os lençóis.
"Não faço?", rugiu baixo.
"Não faz. Você come sorrisos. Foi isso que me contaram. Mas você não colhe sorrisos de alguém que está assustado."
"Você conhece todos os sorrisos?"
"... não."
"Então não sabe que pessoas assustadas também sorriem."
"Eu sei, mas esses não são gostosos. São sorrisos desesperados e insanos. Não são gostosos."
"E os sorrisos de alívio, depois do desespero e do susto?"
"... talvez --"
"--são os melhores. Saborosos mesmo."
O bicho sorriu com vontade. Mil e um dentes pontiagudos se exibiam pra criança com certo sadismo e vontade, definitivamente vontade. A criança se assustou.
"... mas você não terá esses de mim. Não estou com medo."
"Nem um pouco?", engoliu o sorriso em seco, o monstro.
"... nem um pouco.", a criança concluiu. O monstro emburrou-se e pôs-se a encarar a parede vazia perto da cama. Aliviada, a criança suspirou com esforço, pois não é todo dia que se precisa esconder o alívio de um monstro sentado bem ao seu lado.
Por causa disso houve muito tempo até que alguém falasse alguma coisa, e foi o monstro que, infantilmente indignado, cruzou os braços e julgou, agora com a atenção no teto mas sem olhar a criança diretamente.
"Você me enganou!"
"Enganei."
"Por quê fez isso?"
"Se eu te dissesse que estava com medo, você ia esperar um sorriso de alívio. E eu não ia dar um desses."
"Por quê não?"
"Porque eu não sorrio. Sorriria até por ter te enganado, pela sua reação boba; mas eu não sorrio."
Parecia verdade. Até a criatura tinha sorrido durante aquela conversa, mas não a criança. Faltava-lhe algo que o monstro seria incapaz de identificar; não era especialista, era só um bicho que gostava de comer sorrisos. Só isso.
"É?"
"É. Sabe como, um dia você faz um monte de coisas erradas; tudo com pressa, sem vontade, cheio de ambições e vazio de idéias para alcançá-las."
"Você é uma criança, fazer errado é normal."
"Quê? Por onde você anda? O mundo não é mais assim. Esperam mais da gente."
"Hm.", e abaixou a cabeça, ligeiramente chateado. A criança explicava as coisas e às vezes olhava as janelas fechadas, com as mãos juntas sobre o colo. Os polegares se moviam como se não tivessem muita opção.
"Hoje se sorri por muito pouco. Com pressa, sem vontade, o mundo pede um sorriso e as pessoas não recusam. Sorriem de qualquer jeito, com pressa, sem vontade, e o mundo fica satisfeito. Aí o mundo descobre e tudo cai por terra."
"Estes são sorrisos de mentira. Conheço."
"Já comeu algum deles?"
A criança estava mais incisiva que antes; encarou o monstro com curiosidade, enquanto este se encolheu entre os ombros e fingiu observar as ranhuras do lençol.
"Um ou outro. Dá vontade de nunca mais comer de novo.", e não podia esconder o assombro e o incômodo para com o assunto.
Ouviu-se o som do peito de uma criança a encher e soltar em seguida, e a respiração perdurou, carregando a resposta pelo espaço vazio do quarto.
"É. Nunca mais."