domingo, 29 de agosto de 2010

en gallop

And you laws of property
Oh, you free economy
And you unending afterthoughts;
You could've told me before

Never get so attached to a poem, you
Forget truth that lacks lyricism, and
Never draw so close to the heat, that
You will forget that you must eat, oh...



Joanna Newsom

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Poema

O grilo procura
no escuro
o mais puro diamante perdido.

O grilo
com suas frágeis britadeiras de vidro
perfura

as implacáveis solidões noturnas.

E se o que tanto buscas só existe
em tua límpida loucura

- que importa? -

isso
exatamente isso
é o teu diamante mais puro!



(M.Q.)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

o que é, o que é?

só cresce, como o escuro cresce num céu de tarde e engole o mundo todo dia, mas cresce infinitas vezes mais rápido que o anoitecer.
cresce como um monstro, abraça mais largo e assombra mais perto que o anoitecer.

e apenas cresce.
surge de dentro, acima da barriga, debaixo do peito.
faz mais nada além de existir.
é grande mas nunca ultrapassa sua pele.

sua existência perturba.
sua existência não se explica.
sua existência não se resolve.

espera-se que vá embora.
e só.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

o delírio

A moça morena agora mistura seus dedos com os seus cabelos úmidos, revolve- lhe as ideias com movimentos suaves. Ele pega-lhe no braço, desfia seus dedos por aqueles dedos finos. A palma é macia. Junto da unha um pouco áspero. Encosta a boca no seu dorso e vai passando-a por todos os caminhos, minuciosamente, os olhos muito abertos na escuridão. A mão procura fugir. Ele a retém. Ela fica. O pulso. Fino e tenro, faz tic-tic-tic. É uma pombinha que ele aprisionou. A pombinha está assustada e seu coração faz tic-tic-tic.
- Este é um momento? Pergunta em voz bem alta. Não, já não é mais. E este? Já agora também não. Só se tem o momento que vem. O presente já é passado. Estire os cadáveres dos momentos mortos em cima da cama. Cubra-os com um lençol alvo, ponha-os num caixão de menino. Eles morreram crianças ainda, sem pecado. Eu quero momentos adultos!... Moça, aproxime-se, eu quero lhe confiar um segredo: moça, que é que eu faço? Me ajude, que minha terra está murchando... Depois o que vai ser de minha luz?
O quarto está tão escuro. Onde a Virgem-Mãe que a tia meteu-lhe na mala, antes da partida? Onde está? Sente a princípio alguma coisa movendo-se junto dele. Então na sua boca enxuta dois lábios frescos pousam de leve, depois com mais firmeza. Agora seus olhos já não queimam. Agora suas têmporas deixam de latejar porque duas borboletas úmidas pairam sobre elas. Voam em seguida.
Ele se sente bem, com muito, muito sono...
- Moça...
Adormece.



de O Delírio (A Bela e a Fera, 1941)
Clarice