sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Sobre a Volta ao Mundo dos Vivos

Tenho acordado sem vontade, embora eu tenha a vontade de acordar. Acordo sozinho; o próprio dia não nasce junto, na verdade - ou melhor, não acorda de verdade. Sempre é sombra, penumbra que é castigo para quem cedo madruga: uma sombra do dia anterior. Eis que sem vontade (mas desejoso), sem verdade (mas sincero, em si) e sem sombra de dúvida (mas carente de melhor comentário), os dias têm nascido e eu, nascido para eles, visando prosseguir com a volta ao mundo dos Vivos.
É árdua a tarefa.
Quando se acorda de madrugada, a vontade é gigante - mas o tempo é forte, e não deixa que você o segure. Quer-se escrever textos, quer-se escrever cartas. Quer-se ler artigos, quer-se saber de tudo. Mas jamais se pode tudo que quer (o tempo que o diga).
Quando se acorda de madrugada, as coisas ainda são de mentira; a casa vazia é um brinquedo solitário num parque de diversões vazio, o banheiro é uma casa de espelhos tenebrosa, onde a única imagem de substância é a sua própria, de cabelos de serpente e olhos vermelhos, pouquíssimo crédulos com a situação. Queriam eles crer que é tudo mentira.
Quando se acorda de madrugada, ainda se é um fantasma, uma sombra do dia anterior - e até que o dia tenha a boa vontade de acordar realmente, você ainda é morto. Vive sozinho: perambula pela casa arrastando suas correntes, conversando com seus fantasmas, sem tempo para concluir uma conversa ou um assunto sequer. Sem coragem para morrer de verdade, sem gente pra viver de novo.
Mas o sol raia, trazendo a pressa ao mundo e levando uma face de Desespero do mesmo. Você ganha vida com as exigências dramáticas e imortais feitas contra sua forma de usar o tempo; ganha vida com as buzinas lá fora, ganha vida com o silêncio em que o veículo é imerso, mesmo com tantos ditos de "bom dia" não-respondidos. Aquilo é vida.
Chega-se então àquele mundo dos Vivos. Com vivacidade para dar e vender, caminha-se pelo pátio até o local onde sua patota se reúne, já viva, aguardando avidamente por sua volta. Eles sorriem e riem, e a diversão existe - mas como tudo que é vivo por ali, morre depois de um tempo. A vida é tanta, que todos os dias são os mesmos. A mágica se mantém, tornando todos os dias uma cópia do primeiro, dez anos atrás. O ar é o mesmo, os caminhos são os mesmos, as pessoas são as mesmas. Os sorrisos, chacotas, cumprimentos, olhares, ironias, sentimentos, são os mesmos desde sempre, desde que a vida demarcou aquele lugar.
E, ah. A vida está em mim. Como é bom viver. Como é bom viver. Sou muito feliz com essa vida.
E tenho orgulho em ser morto.

*


Quando saio assim, para voltar ao mundo dos vivos depois, não venho de onde talvez pensem as pessoas de bem.
Corrijam-se: volto do mundo dos Sonhos.
E sobra-se muito de lá. No mundo dos Sonhos, a realidade estabelece um parlamento conosco, e assim a regência é nossa, por culpa talvez do povo. Mas, ainda assim, o trono não é de nosso direito.
Assim, é como no mundo dos vivos, mas diferente. Encontro quem quero, faço muito do que quero e penso nas coisas que gosto de pensar. Jamais esqueço-me da realidade, carente de combatentes, carente de adversários. Mas há prazer.
Assim como há pesadelos dos quais precisa-se acordar. E uma vez acordados, eis que volta o sonho - por mais que tanto não tenha acontecido comigo, ainda, espero que, como poeta morto, saiba usar a vida dos mundos verdadeiramente vivos, das árvores verdadeiramente verdes, dos momentos verdadeiramente gostosos; e assim, volte a sonhar como deveria.
As fadas que devem me odiar por isso, mas é necessário esperar.
Um sonho acabou. Um outro, mais forte, combativo e necessário, está prestes a começar.
E Sonhos não envelhecem.



~ ~ ~




Perdão pelas cartas ainda não escritas, pelos textos não escritos, pelos artigos não lidos e por tudo que não sei.

E um grande abraço a todos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Você me inspirou a fazer um blog também xD

amplexus et osculus!

Anônimo disse...

dois mortos que tem orgulho de serem mortos então.

e...bom a fada não te odeia, tenho certeza, mas ela se sente contrariada sim (só que ai já parte do mimo de ter sempre tudo o que quer na hora que bem entende) e esperar as vezes é preciso mesmo com a pressa. Acho que ela colou as asisnhas na parede pra se "atrasar" digamos assim ... :)

E não se preocupe, as cartas nao escritas serão escritas logo em Sonhos :)

E fez sentido alguma coisa? Meu cérebro tá friiiito cara o.o'
Odeio matemática ¬¬'

Anônimo disse...

achei esse post o máximo.
de verdade.
to relendo tudo de pouco em pouco. to capotada de sono, mas teus escritos realmente cativam.
bjinhos