- Este é um momento? Pergunta em voz bem alta. Não, já não é mais. E este? Já agora também não. Só se tem o momento que vem. O presente já é passado. Estire os cadáveres dos momentos mortos em cima da cama. Cubra-os com um lençol alvo, ponha-os num caixão de menino. Eles morreram crianças ainda, sem pecado. Eu quero momentos adultos!... Moça, aproxime-se, eu quero lhe confiar um segredo: moça, que é que eu faço? Me ajude, que minha terra está murchando... Depois o que vai ser de minha luz?
O quarto está tão escuro. Onde a Virgem-Mãe que a tia meteu-lhe na mala, antes da partida? Onde está? Sente a princípio alguma coisa movendo-se junto dele. Então na sua boca enxuta dois lábios frescos pousam de leve, depois com mais firmeza. Agora seus olhos já não queimam. Agora suas têmporas deixam de latejar porque duas borboletas úmidas pairam sobre elas. Voam em seguida.
Ele se sente bem, com muito, muito sono...
- Moça...
Adormece.
de O Delírio (A Bela e a Fera, 1941)
Clarice
Clarice
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