Observou de coração apertado as mechas azuis da transeunte à frente se afastarem, deixando-o para trás. Ele se perdia nos próprios passos e passava a vagar, encarando as costas da estranha como fossem costas muito conhecidas, num movimento de abandono definitivamente familiar.
"Maldita moda. Maldita cor. Maldita tinta, maldita mania de pintar o cabelo", praguejou consigo e fantasiou ser o presidente daquele país, para que pudesse proibir, sob pena de morte aos dissidentes, que se tingissem os cabelos daquela maneira.
Daquele dia cresceu pouco e se tornou o mais jovem Presidente da República Federativa até então eleito. Rodeado de homens e mulheres de confiança, em seu primeiro dia como a pessoa mais importante daquele país fez com que fechassem o Senado e as Câmaras deliberativas para que então pudesse baixar o decreto que proibia, sob pena de morte, às mulheres de tingirem os cabelos com mechas azul-cobalto. Assinou o papel aliviado e botou o rosto entre as mãos, sem chorar, como quem dá fim a uma batalha há muito iniciada.
Foi acordado no dia seguinte pela multidão gritante que povoava a grande praça em frente ao palácio da República e que chegava na forma de um burburinho em seu quarto, no topo e no meio do prédio. Olhos arregalados e meio vazios, passos estalados até a janela, expressão afetada ao alcançar a sacada.
De seu balcão, o Presidente da República dobrava os olhos e perdia o fôlego observando os milhares de manifestantes praça abaixo, com seus cabelos de um dia pro outro longos, lisos, pretos e cheios de mechas azul-cobalto. Fraco e mole como se subnutrido pela própria vida, apreciou cada uma como fossem milhares de fotografias de alguém que ele não via há muito (pessoalmente).
Naquele dia - decidiu - cabeças haveriam de rolar.
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