sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O Fortuna (Imperatrix Mundi)

"Ah, essa São Paulo
são tantas cidades
nunca tantas quantas gostaria de ser."

Engenheiros do Hawaii em Sampa no Walkman



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Vidro, concreto e metal.
Eis que hoje esta metrópole aniversaria. Decidiu-se então que participaríamos da comemoração, e lá fomos, amanhecidos por demais, visando a peça orquestrada Carmina Burana, em única apresentação no Theatro Mvnicipal (ui!) ao dia em que a cidade envelheceria.
Eu só pretendia dormir uma hora hoje, mas o sono venceu e a hora passou; quando todos chegamos às portas do digníssimo Teatro, havia aquele monte de gente. Um monte de gente, aliás, inesperado pra mim, que, se soubesse de tamanha procura, nem dormido teria. Então chegaria em tempo de pegar os ingressos para mim e para os meus - mas isso não aconteceu. Depois de algum tempo (até nos convencermos que os ingressos não cairiam dos céus), fez-se nova decisão, e assim buscamos nos arredores alguma distração.
Uma primeira direção saiu insegura, e acabamos, inconscientemente, seguindo para lá - ao largo São Bento - e no caminho foi possível captar certas (in)compreensões acerca desta São Paulo.
Inicialmente veio até nós uma senhora de aparência comum. Era já um tanto quanto velha e encolhida, mas com um aspecto saudável e uma fala calma e desenvolvida, cujo tom são a mente não devia compartilhar. Incomum, até, já que nos encontrávamos no centro da cidade, onde grande parte dos sobreviventes - seja por vício ou por loucura - monta diálogos desconexos e pouco amistosos (só ou com os transeuntes). Não parecia um dos tais, a senhora, e nem pedia como eles: trazia mensagens de alguma Congregação Cristã. A mensagem consistia em avisar-nos que, depois de um grande sinal, todo o país sofreria catástrofes, e então, haveria o tempo de paz. Fico grato pelo aviso, São Paulo. Já saberei o que fazer quando os vulcões acordarem e os maremotos engolirem a terra.
Minha presença no Viaduto do Chá naquele momento seguinte foge-me à razão. Lá embaixo, no Vale do Anhangabaú, stands e um palco montado, de onde se ouvia o som do Axé. E em poucos momentos, no ilustríssimo palco do Teatro, a orquestra e o coral interpretariam Carl Orff. E agora, José? José estava sobre o viaduto, mastigando suas próprias interrogações e começando a engolir sua indignação (ainda para com o fim dos ingressos), no caminho ao Mosteiro.
O caminho não era tortuoso, sequer estava cheio, hoje - mas havia o aroma incessante de uréia, ácido úrico e amoníaco. Mijo, se preferir. As ruas e praças do centro fedem a urina. Eis a resposta quando você encara o chão molhado da Praça da Sé e se pergunta: "Ué. Mas choveu?".
Bonita, a Basílica. Bem escura, bem bonita. Ouro nas pinturas, Posseidon e seu tridente na fachada, o Zodíaco no teto, logo à entrada. Curioso.
Seguiríamos então até a Catedral da Sé. Antes, no entanto, é preciso lembrar da passagem pelo Pateo do Collegio, onde tropas paulistanas homenageavam a cidade com marchas e coros, enquanto moças e rapazes entregavam-nos bexigas com gás e nos faziam parecer (mais) crianças (mais) bobas. E seguimos à praça da Sé.
Em plena praça, manifestavam-se pessoas contra o preconceito, expondo um boneco metade branco, metade preto, e com um chapéu de cangaço vermelho; nas cores da cidade, o boneco indicava a óbvia miscigenação. Ao lado, umbandistas sagravam seus Orixás. E dentro da catedral lotada, alheios a tudo lá fora, assistiam à missa, os paulistanos. Passamos por todos, e, como não podia deixar de ser, fomos assaltados. Dois garotos gentilmente tomaram nossos balões. Nós demos, né, fazer o quê.
Gente de todo tipo na Sé. Inclusive um peregrino paulistano, que repentinamente veio a nós e contou-nos um pouco sua saga ao vir diapé de Santo Amaro até o Centro. Impiedosos, negamos-lhe ajuda sob teto cristão. Jesus provavelmente andaria com o cara até Santo Amaro (pois não daria a ele aquilo que não tem), mas descobriria tarde demais que o homem lhe vendera aos oficiais por um Bilhete Único carregado. Gente de todo tipo.
Alheios à festança em diversos pontos desta capital, dormiam os mendigos, bêbados e abandonados. Sobreviviam, e, penso agora, sonhavam como todos os demais paulistanos. Alheios ao que quer que seja, dormiam, capotados às inúmeras soleiras de padarias e bares fechados desta São Paulo (parabéns, paulistanos, hoje é o dia de vocês).
Alheios então à desconfiança, voltamos ao conforto de nossos lares.
E cá estou, cuspindo os restos das minhas interrogações e juízos de tudo que vi hoje. Houve que não dei muitas justificativas ou explicações por não caber a mim dar aquilo que não tenho... e também por crer que já entreguei palavras demais, juízos demais, baboseiras demais.
Não leiam. É só um típico e eterno Blá Blá Blá.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ligeiramente da moda, isso tudo :D
Mas, isso aí já foi hoje?Tem mais poese na cidade do que se imagina enquanto se escovam os dentes.

Anônimo disse...

Digamos que agora tu amanheceu na Paulista! rss
A partir disso a cidade começa a ter novas perspectivas.. rss


beijos lindo.
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