quarta-feira, 29 de abril de 2009

longo prazo, revisão

tudo aquilo que havia comprado a longo prazo.
aquelas coisas que talvez durassem.

o presente de natal; uma caixa de bombons, a irreverência de um presente, de repente, a irreverência de bombons num natal. foi-se a páscoa e talvez já ninguém mais lembre, mas um diálogo haveria de ser assim:
- e os bombons que comprei no natal? lembra deles?
- claro que lembro.
mas não lembram.
a longa duração, quando completa, morre em si.
como as alegrias violentas de shakespeare.
shakespeare.

a agenda do ano; tão cheia de espaço, um desperdício só. uma falsa intenção que não está impressa nas páginas de papel reciclado, coisas que enganam gente desatenta e com dinheiro pra gastar.
- papel reciclado, vou levar. vou levar essa mesma.
babaca.
agora anota com cores diferentes os diferentes compromissos, os quais nem se dá o trabalho de lembrar; mal olha a agenda, mas direto a usa como desculpa: "agenda cheia!"
babaca.
usa bem a agenda, pode ser; houvesse ordem dentro da própria cabeça, faria melhor uso da agenda - ou, em melhor caso, uso nenhum.

ah, maço de cigarros; o único e provavelmente mais excitante maço de cigarros de palha que alguém já comprou. como se todos olhassem e julgassem o vício que aquele estava prestes a arriscar. mas sabiam de nada. por fora, tentava convencer o mundo que compraria o maço para extrair o fumo e guardá-lo - assim teria estoque para preparar um caldo, um caldo-remédio para pragas de plantas.
por fora, tentava convencer por dentro dessa mentira do caldo. por dentro, tentava se convencer que não era curiosidade.
dentre as dezenas de cigarros bem enrolados na palha, fumou dois no máximo; depois da primeira ressaca, fumou mais nenhum. o resto tornou-se apenas fumo, guardado pr'aquele bom fim. o sobre-resto foi doado a outro rapaz disposto a morrer por isso.
mas disposto a morrer também estava.

porque a longa duração ainda irrita.
ainda irrita.
se o corpo, a vida, tudo, se é prisão, estes tempos são decerto perpétuos.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Anda

Anda a raiar, ó dia!
Que tanta alegria há de raiar a poesia!


~ ~ ~



Autor desconhecido, versos sem título; escrito encontrado na porta de um banheiro da rodoviária de São Lourenço, MG.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Trem

Que digo...?
Essa coisa toda de ser... essa coisa toda de ser poeta - melhor dizer logo -, tem altos preços.
E pagamos (vocês sabem) a duras penas, a longo prazo, em prestações de jamais-fim, com sangue, suor e lágrimas, como já foi dito antes por todo quem se atreveu a versar, rimar, dançar - com os próprios pés ou lá nos ombros dos gigantes.
É sina como toda longa dívida o é; basta descobrir qual dádiva ganhamos em troca de tamanha fúria destes flagelos que nos cobram.
Mas minto quando digo que não sei do talento que temos nós poetas. Mentimos as belezas a todos que queiram lê-las ou ouvi-las em voz alta, e mentimos de forma que sejamos agraciados e parabenizados em seguida. Nossos chicotes dificilmente partem das mãos dos outros: vêm de nós mesmos.
E o açoite vem sempre tal qual memória-falsa, tal qual intenção não-completa, tal qual futuro-ideal. Tal qual o imaginamos. Tal qual espera-eterna, tal qual uma estação de trem onde se senta no chão enquanto o trem não vem. Ele jamais chega. Apesar disso, sobe o aroma de combustível queimado, e no meio dele, os perfumes de outrem; antes exalados com tanta graça, agora menos que um veneno misturado a chamusque de óleo.
Passa-se mal com tal revertério - mas jamais passa a sensação de guarda, espera, longa espera. E o trem, que por si não passa nunca.

Quincas Borba, cão

Não lhe lembra nunca a possibilidade de um pontapé ou de um tabefe. Tem o sentimento da confiança, e muito curta a memória das pancadas. Ao contrário, os afagos ficam-lhe impressos e fixos, por mais distraídos que sejam. Gosta de ser amado. Contenta-se de crer que o é.

Machado de Assis em Quincas Borba

terça-feira, 7 de abril de 2009

stranger in a strange world

they'd do ev'rything I won't,
go on ev'rywhen I stay,
exist ev'rywhere I don't,
succeed ev'rytime I fail.

repente

olhos nos olhos e os meus olhos nos dela e os dela nos meus lábios; então os olhos dela nos meus e os meus nos seus lábios.
era a expressão pura do que os lábios queriam.
era o mais digno convite para um beijo.
o sublime e em tempo óbvio suspiro dos olhares certos de que o gesto almejado cairia em abstração eterna jamais capaz de ser.
encararam-se olhos e lábios.
matou-se o momento num “nunca mais” não-pronunciado mas subentendido no silêncio.