quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

lonely hearts club

se estivéssemos mesmo para uma "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band", estaríamos mais para uma mistura de with a little help from my friends, she's leaving home e within you, without you. jamais getting better.
somos o yer blues, for no one. a dúvida de helter skelter. uma eterna i want you, cada vez mais estourada.

oh! darling.
somos corações solitários.


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

longo prazo

paguei na hora uma série de coisas que teriam efeito a longo prazo:






um presente de natal


uma agenda pro ano que vem



um maço de cigarros.







a longa duração me irrita.

Dezembro

agora
é hora de pensar.

sem pseudo-poemas.
só é hora de pensar.










quer dizer, o que eu vou fazer agora?
não fosse tudo tão ambíguo
não fosse tudo tão errado
não fosse tudo tão difícil
mas tudo é fácil como parece ser.

mas enxergar pra quê?
se verei você, que fez certo em me deixar antes da hora
e você, que fez certo em me deixar antes da hora
e também você, que fez certo em me deixar antes da hora
você, que escolhi deixar antes da hora
você, de inconsequência inocente
e você, que trilha um caminho que não posso seguir
ou você, que não quer
ou você, que também não quer
ou você, que ninguém mais quer
vou enxergar vocês.

se no momento eu precisar ver a mim mesmo
enxergar só a mim mesmo
vou enxergar vocês.
enxergarei um homem magro
provando um pouco de cada veneno
pra descobrir como é que eu penso
e vou pensar.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Caricatura

Ontem, disposto.

Acordei uma vez, e nada, quis voltar.

Acordei uma hora depois e não tinha mais o que fazer na cama.


Estava disposto, artístico.

Fingi-me alfaiate e remendei o jeans da bermuda recente; fingi que fui até a farmácia (mas comprei biscoitos), fingi-me cozinheiro e fritei ovo e salsicha no azeite; artista.


Cortei cartões freneticamente, tive bons resultados.


E, de súbito, nem sei mais porque, peguei um único sulfite e trouxe pra cima, pensando comigo mesmo que não precisaria de outra folha para o que eu ia fazer. Sentei ao computador, folha branca à frente e lápis na mão, e surge na cabeça exatamente o que eu queria. Abri uma foto, olhei fixamente, segurei o lápis de suave e com certeza, e comecei. Foi cabeça, foram cabelos, sobrancelha, nariz, queixo; tive que reunir coragem pra fazer os olhos, porque tudo já ficava tão parecido com você que achei que seria melhor se não continuasse. Mas comecei os olhos, eventualmente terminei os olhos; não me privei de desenhar suas olheiras. Brinquei com sombras, voltei aos cabelos, refiz as sobrancelhas e apaguei o nariz. Tudo reconstruído, olhei de longe e vi a testa menor que antes e bem díspare da original. Resmungo. Resmungo. Foda-se. Foda-se mesmo, qual o próximo passo? Olhei. Era a boca. Resmungo. Boca é foda. Agora fodeu mesmo. Eu poderia deixar como estava: e ficaria que nem o outro desenho, carente de lábios, dentes, sorriso, por pura incapacidade do fingido do artista. É foda desenhar sorrisos, pensem nisso. Sorrisos bonitos, imaginem só. Responsabilidade grande demais ainda mais para um amador. Mas tentei. Novas coragens de não-sei-onde, e esbocei seu sorriso. Demorou. Fiz sorrisos ridículos e bastante afastados do seu. Refiz o nariz mais de uma vez, e do nariz puxei outros contornos – dobrei bochechas e covinhas, até me deparar com os lábios. Lá estavam eles, os lábios. No papel, os lábios. Possíveis de alguma dimensão, enfim, eu os havia descoberto. Eu mesmo sorri, e me vi refletido, no durante e no depois, naquilo que eu desenhava, pois você sorria de volta para mim. Ri, fiquei feliz. Acertei seu sorriso. Descansei.

Quando tomei de volta o lápis, foi para corrigir e retocar. Senti-me deus. Senti-me deus recapitulando o instante da criação, pois eu maquiava-a com as sombras do grafite como se rememorasse o desenho de um ser de verdade. Criei você de novo, no preto, branco e cinza, sulfite e grafite, A4 e HB. O lápis de olho sobre os cílios, o retoque às sobrancelhas, o brilho nos lábios e a luz que dava os contornos ao resto da face.

Satisfeito. Assim me senti ao acabar. Muito satisfeito, aliás. Horas a fio em trabalho, esforço absurdo tentando puxar de dentro um talento que talvez não exista; e eu havia acabado, finalmente. E estava satisfeito.


Satisfeito a ponto de mostrar meu feito aos outros.

Pra quê?, me pergunto. Pra quêêê?

Perguntaram se era uma caricatura! Chamaram aquela merda de “caricatura”! E eu percebi: estava cômico, infame, era realmente uma droga de caricatura. O grande problema era que, como eu não queria uma caricatura, ficava bastante óbvio que o desenho era um wannabe de bom-desenho, mas que ficou ruim. Muito ruim. E por isso não dava pra dizer “é uma caricatura”, como se houvesse vários pingos de suor no papel que disdissessem qualquer mentira do tipo.

Passei a odiá-lo. Odiar os rabiscos que fiz com coragem, porque, apesar de parecerem você, minha amiga, eram mais dignos de riso que de admiração, e por isso eu talvez não os queira vidrados num quadro.

Talvez. Talvez o envie.

Talvez.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

esboço

termina o dia e eu me esqueço
jogado no meu canto da cidade
jogado no canto como um esboço
num papel amassado sem piedade.

sinto-me lento, arregaço as botas
tiro-as como quem se despe de um jogo
cansado como quem limpa da sola a bosta
cansado como quem tira do trigo o joio.

então ataco estes óculos pra longe
pois vista alguma jamais se arruma
não sou paladino, tampouco monge
soldado de deus, porra nenhuma.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Mario Kart Love Song

Genial.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Heaven and Hell

Sing me a song, you're a singer
Do me a wrong, you're a bringer of evil
The devil is never a maker
The less that you give, you're a taker
So it's on and on and on, it's heaven and hell

The lover of life's not a sinner
The ending is just a beginner
The closer you get to the meaning
The sooner you'll know that you're dreaming
So it's on and on and on,
oh it's on and on and on
It goes on and on and on,
Heaven and Hell
I can tell.

Fool, fool

Well if it seems to be real, it's illusion
For every moment of truth, there's confusion in life
Love can be seen as the answer, but nobody bleeds for the dancer
And it's on and on, on and on and on

They say that life's a carousel
Spinning fast, you've got to ride it well
The world is full of kings and queens
Who blind your eyes and steal your dreams
It's heaven and hell, oh well

And they'll tell you black is really white
The moon is just the sun at night
And when you walk in golden halls
You get to keep the gold that falls
It's heaven and hell, oh no

Fool, fool
You've got to bleed for the dancer
Fool, fool
Look for the answer
Fool, fool, fool...

Black Sabbath


~ ~ ~


Do tesudíssimo álbum Heaven and Hell, do Sabbath (com Dio!), pra estrear a marca que estava faltando aqui: músicas.
Baixem, ouçam e joguem fora, caso quiserem.
O som é lindo e a letra faz todo sentido do mundo pra quem eventualmente não vê mais sentido algum nas coisas à volta. E pra quem teve um mês de altos e baixos.

Pois Novembro foi gostoso, complicado, corrido, confuso, corrido, complicado e complicado. Nessa ordem. Foi bom (e gostoso, ok) do começo ao fim, então não tem lugar certo pra pôr. Mas acabou. Sobraram expectativas de Recuperação - uma no plano geral e possivelmente duas no curso de História -, um trabalho pra entregar e um bocado de idéias, novas e antigas, pra colocar em prática.

Sinto como se o ano tivesse acabado um mês mais cedo, tantas foram as viradas que viraram junto do mês. Mas é bobagem pensar nisso: bem capaz que virar o ano nunca tenha se apresentado junto de uma mudança muito drástica.

Enfim, que venha Dezembro. Amanheci energético - não para sair de casa mas para ficar e resolver minhas pendências comigo mesmo.

Abraços.

sábado, 29 de novembro de 2008

Sacrifício

Essas violentas alegrias têm fim também violento, falecendo no triunfo, como a pólvora e o fogo, que num beijo se consomem. O mel mais delicioso é repugnante por sua própria delícia, confundindo com seu sabor o paladar mais ávido. Tem, pois, moderação, que o vagaroso, como o apressado, atrasam-se do pouso.




Shakespeare, ao pé do ouvido.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Oh Shi--

Num primeiro momento, fui tolo por acreditar que seria uma viagem de negócios; uma simples conferência, à qual me apresentaria e ponto final. Voltaria pra casa no Domingo de manhã, e continuaria a estudar. Foi uma viagem formal, até certo ponto. Apresentei minhas idéias, fui aplaudido de pé. Aí minha colega me chamou pra beber, e aqui estou. Não, não “estamos” – ela levantou há uma hora e voltou pro apartamento depois de receber uma ligação do namorado. Claro, não esperava que acontecesse alguma coisa entre a gente, mas tampouco tinha um boteco como idéia pro fim de Sábado; não costumava beber em viagens assim.

Num segundo momento, minha tolice veio de uma coisa tão corriqueira que qualquer um cairia nela: qual o problema em achar que seria uma viagem normal? Qualquer um faria, não? Então. Ponto final. Deu-se que não está sendo uma viagem normal. Estou num bar meio bizarro, num Estado que não conheço e que não é o meu, aquele no qual nasci, e todos os rostos que aqui figuram – rindo, bebendo, transando ou fazendo merda – são todos familiares. Parece que não é a primeira vez que os vejo, apesar de ser justamente essa a situação. É como um déjà vu bizarro. Sempre foi assim, só não me acontecia há uns anos. Na verdade se fosse esse o problema maior eu estaria bem pra porra.

A maior prova de que aquela era uma viagem fodida (e nem um pouco normal) foi quando a porta do bar abriu. Eu estava no balcão, olhando o longo espelho que fica na parede, logo atrás das bebidas, e vi a porta abrindo. Foi estranho. No exato momento em que isso se deu meu estômago virou. Não foi um friozinho de merda, não: foi uma reviravolta do cacete. Meu cérebro nem precisou pedir: a respiração se prendeu e eu quase estourei o copo de vidro que continha o uísque. Era você. Era você abrindo aquela bosta de porta, eu senti. Tava tudo num slow motion fodido desde que a maçaneta girou, que tocou o sininho, que a porta demorou horas pra abrir. Você nunca me disse que teu perfume viajava à velocidade da luz, ou que sabia fazer o tempo parar. Ninguém nunca me disse que bruxas tão fodidas e más que nem você podiam ser tão bonitas. Tão gostosas, tão atraentes. Era a tua mão gorda abrindo a porta, era eu me segurando pra não cair da cadeira e deixar meu intestino escorregar seus nove metros pela minha boca. Era você mesma entrando, e, porra, isso não era possível! Era você mesma. Sua bruxa filha da puta, por que aqui? Por que hoje? Por que você não está, sei lá, dando pra alguém? Por que veio ao bar?

Vi tudo pela merda do espelho. Você entrou, alta pra cacete, mais alta que eu; e usava salto plataforma, ainda por cima, como se não satisfeita com o metro e oitenta que deus te deu. Sua vaca, como você é bonita. Ciências biológicas, não é? É interessante, afinal; mas não valeria a pena se eles não ensinassem qual fruta bonita é venenosa e qual é saudável. Eu sequer te comi, mas passo mal sempre, sempre, sempre que você ressurge. Ressurge, vadia, e é do inferno, pode confessar. Sempre quente. Decote filho da puta, espartilho filho da puta. Saia de merda. Cabelos soltos. Olhos delineados. Caralho, sangue de quem você chupou esta noite pra ficar com esses lábios? Confessa. Confessa que você matou os mil caras que te olharam do caminho de casa até aqui, e sugou todos eles. Chupou todos eles, não importa onde, até esfolar a boca, até deixá-la tão vermelha e brilhante quanto está. Eu sei de tudo. Sei do pacto que você fez com o diabo pra que ele te desse esses dentes perfeitos. E você exibe com orgulho. Vê que o bar está cheio, cheio de oportunidades, cheio de caras pra te arrombar no fim da noite. E não me viu. Pra você eu sou o cara gostoso, mas que já bebeu demais. E você pensa isso pelo fato d’eu estar ofegando que nem um cachorro. Por eu ter perdido o fôlego assim que eu te vi. E você sabe que eu sei. Você sabe que não vai dar pra mim, e que eu não vou comer você. Por isso você caminha até mim. Disfarça, olha pra tudo quanto é lado, me ignora. Eu me curvo ao balcão, arregalo os olhos; seu perfume me dá ânsia, sua presença me dá asma, o ar que você locomoveu pra sentar no banco ao meu lado quase que me congelou por completo. E sentou ali só pra me provocar; só pra acabar de me foder.

“Me traz uma dose de absinto”. Filha da puta. Absinto é álcool pra cacete. Espero que você morra disso. “Qualquer um. Hehe, o mais verde que o senhor tiver!”. Flertou com o barman. Que vadia.

Que merda. Eu ofego, quero vomitar em cima de você. Quero amassar tua cara e destruir teus dentes branquinhos. Esfrego os olhos, mas a sensação não passa. Meu corpo tá todo arrepiado, eu me sinto fraco pra cacete e meu estômago não existe mais. É força pra tirar a carteira do bolso, abrir e jogar a grana no balcão. Só.

“Ô piá, tá passando bem?”

...

...

A mesma voz de sempre, falsamente preocupada – e quer saber de mim. E dessa vez quem tem a vantagem sou eu. Eu sei das coisas, você não sabe, você não me reconheceu: você se fode. Não vai mais me torturar. Não vai me torturar mais.

Ponho a nota de dez do lado do copo, com uma dificuldade do diabo. Levanto quieto, boquiaberto, absorto. Afirmo a jaqueta, caminho desesperado pra saída do bar, sem olhar pra trás. Ainda lembro do caminho até o hotel, mas não vou de carro. Primeiro porque a minha colega levou o carro. Mas não vou ligar pra ela. Não, nem fodendo. Preciso sair daqui o mais rápido possível. Táxi. Táxi. Qual a cor dos táxis nesse Estado de merda? Cadê os táxis?

Foda-se, bastou chegar um.

E me mandei.


Zé Eduardo Martin Roquetti
a 31 de Março de 2008

domingo, 16 de novembro de 2008

Hero Off-Time • Dethrone Reality

post extenso!

*

Acho que o Off-Reality está se tornando cada vez mais um blog.
E não é? , vocês perguntam.
Não. Acho que não.

Acho também que nunca falei sobre esse espaço virtual, falei?
Falei apenas a alguns íntimos, com a esperança de que eles estivessem interessados. E sinceramente jamais saberei se estavam ou não. Pressuponho que vocês, visitantes eventuais desse Blog, estejam interessados. Porque acho que percebi que se eu dependesse dos meus textos para que as pessoas me entendessem, eu estaria perdido. E que se eu dependesse também da vontade e do interesse alheio (ou da visão que eu tenho dele) pela minha pessoa, eu me crucificaria. Dez vezes seguidas.

História, por um Historiador em formação:
Meu primeiro blog teve casa do IG, nos tempos em que a sigla ainda queria dizer "Internet Grátis", e que tinha um cachorrinho como mascote. O blog tinha um nome infantil e não sei se tinha um propósito além de falar bobagens e ser uma ferramenta para me integrar ao círculo de amizades que eu acreditava ser o máximo. Digno de um moleque de treze anos.
Foi assim também com um Fotolog do Terra e com um Weblogger. E foi assim com um Fotolog.net (agora .com). Modas que ao longo do tempo eu aderi para me sentir integrado, e que também ao longo do tempo caíram por terra. Tinham sua função de diário, é verdade, mas eu queria ter porque as pessoas tinham.
Isso evoluiu enquanto eu usava o Fotolog; mesmo que eu dificilmente tivesse fotos pra postar, eu postava quando precisava dizer algo, e sempre dizia. Como chamei à atenção num dos aniversários do fotolog, eu sempre dizia - da minha maneira, mas dizia. Acho que então comecei a querer dizer mais coisas. Não sei bem. Sei que queria novamente um Blog, para manter juntamente com o /calico_jack.
Ambiciosamente, projetei dois Blogs: num deles eu seria alguém compromissado a me ausentar do mundo real, e colocaria ali todas as minhas tralhas que eu pudesse chamar de Sonho. Tudo que eu considerasse artístico de minha parte, todo escrito, todo vômito de palavras, tudo ali. No outro eu me comprometeria a relatar minha pessoa com uma personalidade assumida de Herói; seria um diário, e ali estaria minha vivência e minha experiência da forma mais objetiva possível.
O primeiro seria o Dethrone Reality; o segundo, o Hero Off-Time.
Porém, na época bateu-me uma onda de desânimo muito forte. Desconsiderando qualquer potencial que eu tivesse para destronar a realidade ou para ser um Herói fora tempo , abandonei os projetos. O Dethrone Reality tinha até uma "arte" visual, caseira, amadora, mas muito própria e significativa à sua maneira:Sob esse desânimo os projetos foram esquecidos e retomados só num momento de mais esperança. Talvez ainda não tivesse pique, no entanto, para manter dois blogs, então os fundi num só: o Off-Reality, que juntava o nome dos dois, e, supostamente, a temática de ambos; a identidade dos blogs também se fundiu, mesmo que só tivessem existido na minha mente. O começo do Off-Reality marcou também o começo de uma relação fadada ao fracasso, e o /calico_jack ainda era meu principal meio de comunicação, como se eu privasse o blog de postagens banais e só guardasse pra ele aquilo que eu visse como relevante de verdade. Por isso, como o relacionamento, o blog estava fadado ao fracasso. Depois de um tempo, as coisas desandaram e eu me vi num inferno emocional sem precedentes, que me levou ao desligamento do /calico_jack e à reforma do Off-Reality, definido como uma ferramenta de recomeço.
O Off-Reality, desde então, tem sido minha ferramenta principal de expressão. E quem acompanhou, ou quem se aventura a olhar por esse meu passado virtual, percebe que essa expressão dificilmente é satisfatória. Percebe que nunca deixei para trás a idéia de que o blog só merecia conteúdo "relevante" ou relevantemente concluído - um depósito pra minha arrogância. Percebe, pois quando falo da minha vida pessoal abertamente (ou não), a tag que eu coloco é bobagens.

E são bobagens, são falácias mesmo, de verdade.
Até agora, passado pouco mais de um ano dessa nova "vida" do blog, ele nunca viu completa sua função inicial: ajudar a recomeçar. Eu nunca admiti, mas ajudou. É difício admitir o papel das virtualidades.


Por onde eu (re)começo?
Basta dizer que um dia eu sonhava. Que um dia eu sonhava alto, e que um dia eu caí. Não houve caçador. Não houve quem tivesse cortado minhas asas. Não houve quem tivesse me jogado no chão.
O que houve foi auto-sabotagem. Não havia assassino ou coveiro de meus Sonhos que eu não pudesse enxergar quando encarasse um espelho. Já mortos, enterrei os Sonhos, dei-lhes um mausoléu de vidro e um milhão de flores como túmulo, culpando uma mentira durante um ano ou mais por um fracasso que eu quis cometer.
Desenterro-os, então, para reconstruí-los, e não para chorar sobre seus cacos.

Desse drama, acredito, já passei.
Quero minha megalomania de volta para poder, quem sabe com isso aqui, quem sabe dessa mesma maneira, reafirmar-me como Herói.
Herói atrasado.
Herói sem tempo.
Herói descompassado.
Herói de outros tempos.
Herói do tempo, com erro gramatical de língua estrangeira.

Pirata, pateta ou poeta:
eu sou uma bobagem desnecessariamente grande que talvez não valha a pena desenvolver.
=)

Sem mais.
Até.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Cavanhaques e mimimi


Diretamente do espetáculo "Em Breves", a Cia. Barbixas de Humor - pessoas com talvez tanta barba quanto eu, mas certamente donos de um humor mais refinado.
Fodão.

E os caras ainda são capazes de abrir uma promoção pra Blogueiros!
Eu não me considero "blogueiro", mas o blog está sob as condições estabelecidas pela promoção, então é válido.

Pra participar e ganhar dois ingressos gratuitamente, o blogueiro precisa ser blogueiro de postagem frequente há seis meses ou mais, postar um vídeo do espetáculo "Em Breves" e enviar o link da postagem à Cia. Barbixas de Humor para conferência, confirmação e comunicação entre as partes.
A Cia. Barbixas de Humor é composta por Anderson Bizzocchi, Daniel Nascimento e Elidio Sanna, também participantes do espetáculo² Improvável. Mais informações no site dos caras.

É isso aí.
Sinto-me uma puta bem paga, depois desse post.
Abraços bem-humorados aos rapazotes.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Ou sorrindo.

Ontem finalmente as coisas chegaram num ponto de tamanho caos que assistir aulas saiu de cogitação. O sono (ou a falta dele), as coisas que precisava fazer, as questões nas quais (não deveria, mas) precisava pensar - o ponto de equilíbrio e de coesão que eu queria estabelecer; me fizeram tomar a rota de casa ao invés de sentar pra aula.
Cambaleei o caminho inteiro, escutando a mesma música e admitindo que o frio não era pela falta da blusa. Cheguei. Tapei o buraco dos dentes com alguma coisinha (o nó na garganta não deixava a comida passar, os solavancos no estômago não faziam boas promessas).
Minha sôfrega confusão me encarcerou no quarto para outras horas de quem sabe algumas surpresas. Me pediu um sorriso, como se pedisse um cigarro ou fizesse uma piada de humor inglês. Desfiz-me dos meus olhos de ressaca, pois não havia no meu mundo dente que não quisesse lá no ínfimo se exibir à rainha. E nervoso e incerto e sincero, ri de dentro, rodeado de coincidências intangíveis e das surpresas que ela quisesse.


Além de continuar o que quer que eu esteja fazendo, agora é apertar os olhos, cruzar os dedos e abraçar os joelhos pra que hoje e ainda amanhã eu também esteja num lugar mais morno, apertado e aconchegante do que esse vasto e laminado quarto.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Semi-presencial

Jurava que já havia passado da época de tomar bronca por conta dos horários, mas eram três da matina quando minha mãe, descabelada e madrugal, entrou no meu quarto. E eu não estava gritando; ou ouvindo música; ou rindo alto. Ou sorrindo. Ela deve ter acordado e ficado nervosa, deus sabe lá porque hoje; deus sabe lá porquê. Talvez hoje tenha sido um estopim.
Entrou, e eu, com meus recém-feitos dezoito anos; eu, sem aparente juízo na cabeça por passar outra madrugada em claro; eu, que se continuasse naquela condição, naquela situação deplorável (grifo meu) seria encaminhado a um médico; escutei.
Tá. Calmaí, que médico? Ela já tinha saído do quarto, voltou, talvez pra conferir se eu falava sério quando perguntei aquilo. Respondeu sem jeito. Psicólogo. Psiquiatra. Tá, eu consenti. Sem a certeza de que ela havia compreendido minha seriedade sobre, se ela me concederia a regalia de alguém pago para me escutar, foi dormir. Eu não fui.

Não por pirraça. Sem julgamentos, sei porque fiquei.
Dessa forma, se não passou o tempo das broncas, o da pirraça, ao menos, se foi. Mesmo assim, não retorna o sentimento de, pela primeira vez em tempos, estar fazendo a coisa certa. Não volta. O sono de novo é inútil (isso volta), o desânimo consome (isso volta), visto luto.

Sinceramente queria que chovesse hoje. Mas faz sol e o sol ressalta a desimportância dos dramas.

domingo, 19 de outubro de 2008

5:15

É noite, e você passa suas noites sentada à borda da cama com o rosto entre as mãos e a esperança esvaindo pelo carpete, gotejando a partir dos fios multicoloridos de cabelo cuja última propriedade pensável é "natural" mas cujo cheiro demorou a deixar minhas mãos. Sozinha por escolha própria, tendo renunciado às minhas algumas tentativas, à minha incontestável dedicação, é possível que a única coisa que passe pela sua cabeça seja o mesmo filme dos últimos meses: sem mudanças no roteiro, sem protagonistas novos - só o mesmo final infeliz, os mesmos e esporádicos figurantes sem feições, cem feições, e trinta maneiras diferentes de chupar alguém.
Há neste ponto quem questione a veracidade dessas coisas. Sou eu, eu questiono. Quem é você, afinal? Você pode enxergar um retrato bem feito nas minhas linhas, mas tudo que eu vejo são as linhas que são; rascunhos que são, esboços mal-feitos num processo interrompido e cheio de defeitos, pouca-vontade e má fé. Neste ponto, reitero, pouco importa quem você é: sou pois quem largou o lápis e deixou que a ponta se quebrasse em trinta; se possível, quem jogou a prancheta contra a parede e morreu sentado, atônito e agraciado pelos olhos de ressaca preguiçosos de mirar qualquer outro lado.
Há verdade em nada, porque haveria? Não houve verdade em minhas intenções, os fatos foram imaginados e assim minha desistência pode ser julgada como um plano para algo que nunca existiu. Em síntese, desconsiderar a tentativa, esquecer os fatos, desaperceber a desistência.
Se por um momento o mundo era claro em suas infinitas rachaduras; se há uma dúzia de horas eram vocês os desajustados e carentes de socorro, onde quer que estivessem se destruindo; é notório em tempo presente que o rascunho da caricatura, o único quebrado, o único caído e único por convenção, seria eu.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

ela tinha um anel

Sei lá, de repente batem vontades estranhas. De repente o que você quer é comemorar sem saber exatamente o quê, e se lembra que não sabe se as cervejas japonesas têm o mesmo gosto que as ocidentais. Uns trocados na carteira - já estava naquele bairro, mesmo, não custaria nada (talvez uns cinco reais) e ninguém ia realmente perguntar se eu podia ou não.
Entrei na mercearia porque é um lugar legal, limpo e bem-arrumado. As pessoas são educadas e respondem ao bom-dia, talvez não recebam muitos, não sei. Sinto-me meio suspeito, na verdade, porque sempre estou com uma mala carregando metade da minha casa nas costas, e quando você fica indeciso no comércio e tem uma mochila desse tamanho nas costas, o que se costuma achar é que você está esperando a melhor oportunidade pra roubar alguma coisa e cair fora, então eventualmente me vigiavam. Mas não encontrava as cervejas, ou quaisquer outras bebidas, na parte da geladeira. Deu que achei algumas prateleiras, mas estavam perto da entrada e fora da geladeira, portanto, quentes. Ok. Fui ver se os gyozas - feitos na hora e num balcão específico - ainda estavam no mesmo preço e no fim descobri que toda cervejinha, pinguinha e sakezinho estavam compactos, numa geladeira atrás do balcão. Cool! (literalmente)
Falando assim dou a entender que tenho uma tendência ao ácool. Não. Não tenho. Sei de mim mesmo que meus instrumentos de fuga são outros e não se confundem com uma busca leiga e interessada pelo sabor das coisas. Assim, acabei perguntando o preço de uma Heineken, porque, porra, é uma cerveja que parece natural e não lembrava o gosto puro dela. Pedi, pedi também os três gyozas que vendem a dois e cinquenta. Não vou me ater à confusão da máquina que o cara que me atendeu usou pra ver o preço dos meus pedidos; não importou na hora, não me importa agora.
- Faz três gyozas de carne suína pra mim, por favor? - A moça abriu a Heineken e trouxe um copo-taça gelado, já. (Carne suína, repeti, porque a moça que fazia os gyozas não tinha ouvido).
- Ahm, pode pagar depois...
- Ah não, só tô... contando, aqui. Vendo se tenho.
Sabia como funcionava lá. Tem uma comanda digitalizada e tudo mais, então você só paga na saída. Contava os trocos que eu tinha, de fato. Peguei a garrafa, dispensei o copo, fui sentar e beber, de pouco em pouco porque o gargalo é pequeno e eu talvez ainda não conheça as manhas que regem o mundo ébrio e as garrafas de cerveja. Nesse momento desejei o copo. "Foda-se", tive de pensar em seguida pra não estragar a água, lúpulo e malte. Não foi mais que a metade da garrafa até o pedido chegar, mas a moça não me trouxe hashis.
Fresco. Será que é frescura comer com esses palitos? É. É pose, agora eu concluo. Se eu achasse cem por cento práticos não usaria mais talheres aqui em casa. "Foda-se", tive de pensar e buscar o par de hashis no balcão. Separei-os e fui comendo. Não exagerei no molho porque a camiseta era branca, ia ser a maior merda do dia manchar uma das únicas camisetas brancas com molho de soja, e eu só ia voltar pra casa dali a umas cinco horas.
Comi. Fui pagar ainda com a garrafa e metade da cerveja em mãos. Falava com a senhora, mas outra moça do caixa também fez parte do complicado processo envolvendo a comanda e meu dinheiro.
- Seis? Deixa eu ver se eu tenho moeda, peraí.
Que foi o tempo d'eu checar se eu tinha um real em moedas pra completar com a nota de cinco e não ter de dar uma nota de dois também, entende?, e a moça falou.
- Aaah, eu também quero! Também quero tomar uma Heineken ao meio-dia.
- Ahm, ah...
Fiquei meio assim. Meio assim, tipo, alguém já tinha tirado sarro comigo quando sugeri uma cerveja no meio de outro dia. Fazia-me sentir como um bebum ilegal em miniatura. Ela estava fazendo o mesmo?
- É que eu não tenho trabalho, depois, então... posso tomar uma.
- Uh. Me indica esse seu trabalho, então.
(a verdade é um cu. principalmente quando a situação te impede de mostrar mais que uma faceta das coisas) - Ahm... é, bem, eu não trabalho. Não posso trabalhar, na real; eu estudo.
- Ah sei. Sei como é, eu faço Etapa.
- Aqui da São Joaquim?
Ela tinha um anel no anelar da mão direita, acho. E parecia ter a minha idade, mas certamente era mais velha. Quase todo mundo é mais velho que eu.
- É, a rotina é pesada e tudo mais.
- Ah sei, eu já passei por isso, já. Quer dizer, não exatamente por isso, mas, vestibular e essas coisas, sabe.
- É, precisa tomar umas mesmo.
- É, então, é isso aí.

Foi a última coisa que eu disse.
Mentira, essas últimas linhas não devem ter acontecido. Eu esqueci o que dissemos um ao outro, mas sei que a última coisa que eu falei foi bastante conclusiva e evasiva, mesmo que eu não tivesse com medo de falar com ela, mesmo que eu não estivesse assustado, e, atualmente, quisesse conversar com alguém que tinha puxado papo comigo.
De repente eu achei que pegaria mal pra ela ficar ali conversando no meio do serviço, então encerrei a oportunidade que se deu. Saí andando com a cerveja pra ir bebendo no caminho, pra que os transeuntes me encarassem e pensassem por si sós "nossa, cerveja ao meio dia. esse é vagabundo". Pra que eu pensasse que poderia ter dito: - Ahm, então, aqui não deve ser o melhor lugar pra conversar, né? Podemos, sei lá, usar algum outro jeito, tipo e-mail, telefone. "Foda-se", tive de pensar. Quando eu vi tinha ficado só espuma, e espuma pra cacete, na garrafa. A coragem é pequena e eu talvez ainda não conheça as manhas que regem o mundo.



* * *




De repente os transeuntes falam com você. Tendo jogado a garrafa fora, é claro que falam. Moça bonita, talvez tivesse a minha idade mas certamente era mais velha que eu. Quase todo mundo é mais velho que eu.
- Oi, tem algum metrô aqui perto?
- Ahm, tem sim...
Fui apontar, mas, porra, que adiantaria apontar?
- ... eu tô indo pra lá, se quiser posso te mostrar onde é.
Mentira. Mentira, não estava indo pro metrô. Estava indo pra lugar nenhum pegar um ônibus, mas não custava coisa alguma passar pelo metrô, acreditem, então me ofereci. Ela aceitou, agradeceu. Falou um pouco no celular e percebi que ela tinha um anel no anelar, da mão direita, acho. E quis saber mais.
- Estamos perto da Sé?
Eu ri. Ri por dentro, mas ri. Por fora fiquei meio embaraçado, senti a vergonha dela e a coragem, sem espuma, que ela exibia. Ou era inocência, mas eu talvez desacredite da inocência.
- É. Aqui é a Sé.
Aí eu indiquei a catedral do tamanho de vários elefantes, aquela é justamente a catedral da Sé. Atravessamos a avenida e ela se justificou.
- É que eu não ando muito por aqui, então não sei.
- Ah, tudo bem, acontece. Você é de onde?
- Daqui de São Paulo, mesmo.
Caracas. Ela deve estar pensando que eu acho que ela é um monte de coisas, entre elas, burra, desinformada. Penso de fato um monte de coisas, mas não burra desinformada. Acho. Desinformada, talvez. Mas se não teve até agora a necessidade de andar de metrô e conhecer o centro velho da cidade, tinha culpa nenhuma, e o burro era eu. Foram várias vírgulas e reticências, por vários motivos, até que falássemos de novo.
- Mas você é de onde, daqui de São Paulo?
- Zona Norte, bairro xxxxx.
- Ah. Olha, o metrô é por ali. Vamos atravessar.

- É a estação Sé?
- Sim.
- Aaah, tá. E onde fica o prédio xxxxxxxxx?
- Hmmm, sei onde é, é depois da praça.
- Nossa, já pensou se eu tivesse entrado no metrô? Eu ia ter dado uma volta imensa!
- Ia nada, cê ia perceber. Olha lá, escrito grandão: "Sé".
- Ah, sei lá, do jeito que eu sou perdida.
- ... Heh.

Agora vejam só que malandragem - depois de atravessarmos outra rua, passarmos por uma velha pregadora sem papas na língua, veio um rapaz, desses que fazem propaganda de fotos 3x4. Sabem? Não? Então.
- Vão pro prédio xxxxxxxxx? Prédio xxxxxxxxx?
- ...
- É por ali.
- ...
- Precisam de fotos 3x4?
Olhei pra ela. Eu precisava de nada.
- Não.
- Não.
- Vão pra fazer o quê?
Sei lá. Ocorreu-me de repente que eu ia fazer nada, e estava acompanhando, somente. Ela explicou alguma coisa pro cara, ele avisou que era o pavilhão azul que procurávamos e deu-nos nova direção. Seguimos.
- Que bizarro, hm?
- É.
- Ah, olha ali. É o xxxxxxxxx.
- Certeza? Só seguir ali aquele mar de gente, sem erro?
- Acho que sim.
- Ah, então tá. Muito obrigada, viu moço.
Constrangedor quando as pessoas desconhecem as relações que têm entre si e precisam se cumprimentar. A insegurança grotesca transforma o momento em algo definitivamente constrangedor. Parecia até que ela tinha medo de encostar em mim, acho que acabou se afastando um pouquinho e dando um aceno, apenas, recebendo uma resposta igual de mim. E a despedida saiu mais ou menos "Ah... então tá... Hm... (sai de perto, hesita, não sabe se dá a mão, beijo no rosto, abraço) Muito obrigada, viu moço".
Não me lembro.
Até.



* * *




De repente eu estava justamente onde eu queria estar. De repente eu sabia que aquilo era uma cena de um filme, e que essa linha que eu escrevi também é. Mas não me importou na hora, não me importa agora; jamais vai me importar.
Justamente onde eu queria estar, com os piores e mais inseguros pensamentos possíveis. É constrangedor quando as pessoas desconhecem as relações que têm entre si e de repente estão juntas num lugar-situação como tal. Na verdade a relação deve ter sido bem clara desde o início, mas gente como eu carrega consigo uma hipermetropia imaginária que impede uma visão próxima e factual dessas coisas. É fácil o olhar distante que nos encara como pessoas próximas. Difícil é tirar os olhos das estrelas, nuvens e lua, como você fazia naquele momento e sempre. Mas você é difícil. Então consegue dispensar minhas visões e determinar a realidade da relação, só nunca contou pra mim.
Talvez por isso estivéssemos ali, eu tentando te convencer que aquela mais brilhante era, na verdade, Vênus, e que aquela nuvem era um coelho, e não um peixe; você constantemente lembrando do frio, do horário, da aula que perderíamos se não nos apressássemos, fugindo das minhas aproximações e mostrando desinteresse no aconchego que eu prupunha. Desinteresse, na realidade, por aparentemente quase tudo sobre mim.
Apontava pro céu, cutucava minha testa e fazia questão de brincar, tirando e colocando o anel que tinha em uma das mãos. Tinha, tinha um anel que ficava no anelar, que me impedia a aproximação ausente de boçalidade, insistência e cegueira demasiada.
- Que horas são?
- Sete e vinte.
- A aula é daqui a dez minutos, vamos?
- Aaah, nem quero.
Mas você levantou, e iria. E me deixaria ali, e eu ficaria, se tivesse minhas bolas no lugar. Ou não. Coragem, bolas, culhões; talvez não signifique ficar deitado na grama enquanto você vai, ou correr atrás, ou abrir um jogo que não existe lá muito bem. Quando servem cerveja e não se inclina o copo, mais que a metade é espuma. Só espuma. Tudo isso é só espuma.



* * *




- Seu avô sempre foi uma pessoa que quis saber de tudo, sabe, sempre foi um homem muito interessado nas coisas, estava sempre estudando o que quer que fosse.
Os verbos estrategicamente ditos no passado indicam a ausência física do avô, morto há já algum tempo. Apesar disso, a avó estava ali, sentada no sofá, tricotando. Ela tinha um anel de ouro em cada mão, em cada anelar; se conviesse, teria nos dedos dos pés, também. Se a morte não tirou aqueles anéis daqueles dedos, imagino que nenhuma espuma tiraria.



* * *




Víamos aula.
Não era a sua aula, mas você não parecia se importar (ou saber). Parecia feliz, fazia comentários, interagia, oferecia ajuda. E qualquer um que nos visse pensaria em você sabe o quê. Tinha um anel no anelar de alguma das mãos, e fez algum comentário sobre ele. Me preocupava aquele anel, admito.
- Mas o que é esse anel?
- Um anel?
- Sei, mas... só isso? Só um anel?
- É. Só um anel.
- Ah.

domingo, 31 de agosto de 2008

Esquizéide

Eu talvez esteja de saco cheio de figuras de linguagem, então quando eu digo que agora eu acabei de sair de um sonho, entendam que eu estava dormindo e sonhando e que acordei e agora não estou mais no sonho.
Aliás, que merda de hora pra dormir. É fim de Domingo e a melhor escolha que eu pude fazer foi deitar na cama esportivamente ou continuar no PC. Aí eu deito ali. Me espremo, porque nesses momentos eu tenho a impressão de que minhas roupas são mais importantes que eu e que não tenho tempo para tirá-las de cima da cama, então eu deito espremido no espaço no qual elas não existem. Uma bosta, não sei pra quem eu empresto meu cérebro nos momentos em que tô com sono. Porque meia hora, uma hora, duas horas depois eu acordo dolorido e desgostoso. Sabe? A cabeça dói e formiga como se fosse um braço, o braço dói e formiga porque dormi em cima dele e de repente, quando me espreguiço, sinto dores onde nunca achei que houvesse terminações nervosas. Aí a única coisa que faço quando dou de cara com alguém é gestualizar pedindo uma massagem no braço porque tá faltando sangue ali e sequer consigo mexê-lo direito. Nem falar, porque a boca gruda com aquela saliva estranha e dá pra saber que, mesmo tendo dormido uma ou duas horas, só, tá fedendo como se eu tivesse dormido a semana inteira.
Alguém queria saber como eu me sinto quando acordo? Tá aí.
Acho curioso que eu tenha chegado ao ponto dessas duas opções só, dormir de brincadeira ou esperar mais um pouco, e depois, que haja toda essa eventualidade do sono-tortura e do despertar doentio; isso me leva a enxergar uma tosca representação de humanidade em mim mesmo.
Esquece, esqueçam isso. É bobagem. Ocorreu-me agora que só quis me comparar e me difamar como ser humano, ou paralelamente transformar isso numa alegoria que sirva no resto do mundo, pra fazer desse texto alguma coisa mais útil que uma reclamação. Porque a coisa toda de contar sobre a via-sacra que é acordar foi só uma artimanha pra que em pouco tempo eu esquecesse as imagens vívidas daquilo que aconteceu e daquilo que não aconteceu nesses sonhos recém-sonhados.
Bem, não deu certo. Ainda lembro do sonho. Inconveniente demais, já que os bons nunca duram mais que uma hora e são facilmente dissolvidos por aí.
Eu poderia escrever mais sobre isso. Sobre a inconveniência dos sonhos e a rudeza da realidade. Poderia me abrir um pouco mais e listar, uma a uma, das minhas mais recentes agonias às que sempre perduraram. Poderia colocar um soneto que escrevi esses dias, ou tentar concluir um texto que há tempos existe. Dizer que entendi o que se passa e descrever subjetiva e incompreensivamente meu método para mudar a situação.
Sinceramente, falta-me a vontade.

sábado, 2 de agosto de 2008

Em cima do muro



Se você for alguém curioso e quer saber até onde me disponho a gastar meu tempo com coisas inúteis na tentativa de ser engraçado, há uma versão "colorida" aqui. Mas está uma bosta.
Se você está cansado dessa agressão gratuita, fale com o Hugo. Ele cobra a hora.
Se você reconheceu a cena de um ovo sentado sobre um muro, POR FAVOR SE MANIFESTE, estou ficando maluco por nada encontrar sobre isso na internet.
Se você quer saber, o muro separa o mundo romântico do mundo niilista, e eu estava, como bom Eggman, metaforando sobre as duas coisas.
Se você adivinhar em qual mundo o Hugo está, parabéns.
Se em uma semana eu não achar isso tão idiota, faço mais.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Retrospectável, 2008, 1/2

A intenção na verdade era que eu fizesse um post assim que chegasse o meio do ano, ou o fim do primeiro semestre, que seja. O que aconteceu foi que eu não fiz esse post; acabou o primeiro semestre e não parei pra digitar nada aqui, e eis que já é mês sete, em geral, o começo de um novo semestre, e eu vim falar as bobagens que concernem ao semestre passado.
E ao novo, também.

Pois afinal esse ano as coisas começaram a funcionar semestralmente.
Quando a gente tá na escola (isso num geral) se acostuma ao lance anual. Isso é expresso nos termos, inclusive, e no fim o povão se preocupava em passar de ano. E fica a impressão de que se não passar, a vida pára. Até você repetir a primeira vez e, na melhor das hipóteses, abrir a cabeça e começar a enxergar o mundo de outra forma. E, bom, as pesssoas que conheci que tiveram que repetir o ano na escola sempre se referiram a isso como algo saudável a lhes ter acontecido. Então digamos que desde que eu percebi isso, as derrotas têm me parecido tão naturais quanto quaisquer outros fatos, o que, admito, até criava em mim uma expectativa por elas. Enquanto às vezes eu não me importava em perder, outras vezes era justamente o que eu queria, pensando é claro no aprendizado que viria depois. Então tá, dá pra dizer que eu comecei o ano assim. Pensando em perder, quase desejando isso. Bizarro, mas é fato.
Não perdi. Dali pra frente foi uma sucessão de coisas curiosamente arrumadas pra que a vida parecesse fácil e que todas as coisas parecessem ao meu alcance. Na real, a vida sempre foi fácil e as coisas sempre estiveram ao meu alcance, mas eu nunca dei a mínima, e agora que o cerco fecha, o fato de tudo ainda estar fácil e próximo me surpreende. Claro, às vezes não se aproveita a sorte e a oportunidade morre. Não morreram. As inúmeras oportunidades que eu perdi foram recuperadas até que as coisas terminassem da maneira que eu queria, ou, ainda melhor, da maneira que eu precisava. Por quê?, pergunto. Eu poderia ter aprendido da pior forma, mas não: foi simples, foi suave. Não sangrei, não suei; fui herói de TV, aquele cujo flagelo não se mostra, aquele cuja cruz não se revela.
Foi fácil, mas não foi ótimo. Não foi maravilhoso. E também não foi o fundo do poço. Queria reconsiderar essa idéia de dar às épocas e períodos classificações extremas, tipo "puxa, estou numa boa fase" ou "putz, estou numa má fase", mas não lembro mais quais eram meus argumentos, então que se exploda. O que vale dizer é que tive grandes momentos nesse semestre que passou - bons e ruins -, e que talvez seja bastante desnecessário colocá-lo em termos gerais ou defini-lo em extremos.
Inegável, acima de tudo, é que foi um semestre de lições. Uma das lições para serem aprendidas é que eu não devo destinar parágrafos inteiros a você, simples e unicamente porque você provou e provou de novo que não merece e muito menos quer isso. Dois períodos aqui são mais que o suficiente, então. Semestre de lições, só. Esse lance de aprendê-las é algo que ainda estou desenvolvendo, talvez com sucesso, talvez não.
Isso é coisa pra esse semestre que vem, o qual já iniciado com bastante cagada (tipo, talvez, dormir ao PC enquanto posta no blog)

Agraços. Até.

*


ERRATA!
Talvez tenha sido o sono, mas eu esqueci de um fato extremamente relevante: esse semestre conheci pessoas incríveis. Incríveis!

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Acorda, come e vai pra praia.

Quando eu via o fluxo da água, achava que estava me movendo. Sempre achei. Era como se eu flutuasse à superfície do mar e magicamente meus pés impulsionavam o corpo, deixando essas ondinhas em volta, no sentido em que estão. Eu achava isso.
Mas nunca soube o que você achava. Nunca perguntei, acho. Sequer partilhei minha crença. Era bobo demais, mesmo pra crianças na nossa idade. Você riria.
Nunca soube. Andávamos juntos, eu, pai do filho d'O Homem, e você, Apóstolo. Desceu o anjo e veio o apocalipse, e fica cada vez mais difícil perguntar. Descobrir quem abandonou quem, quando aconteceu e se as coisas morreram com as casas e os hábitos que deixamos para trás.
Ainda não é tarde demais pra reverter a situação.
É?

domingo, 22 de junho de 2008

LightningStruck

Nome fresco só porque esse é um post-relâmpago.
Eu daria vários motivos, mas preciso ser rápido, incisivo e ao mesmo tempo satisfatório para com minha vontade de postar algo aqui no Off-Reality; é relâmpago, é rápido (e mesmo assim cheio das minhas típicas firulas), porque, por exemplo, encontro-me encerrando o semestre com uma porrada de pendências. Trabalhos e leituras extremamente necessários para que se tenha férias... saudáveis.
A pressa está ainda maior e mais esforçada que antes pois agora só uso meu cérebro pra uma das universidades - a outra já me colocou de folga e findou-se pacificamente. E aí eu diria que eu sou um bosta, mas já tô meio cansado da auto-flagelação que vem sendo promovida ultimamente; não vale mais ressaltar minha irresponsabilidade sem perspectiva de correção, que agora posso até identificar como presente.
No fim, é Domingo cedo e não dormi em função das ditas leituras e trabalhos. Meu nome é Paullinia-cupana-Cafeína, ou "Zé", pros mais íntimos.
Pela minha condição física sou agora menos que o projeto de herói que era ontem, mas cada vez mais e mais e mais. Porque quando eu puder respirar, inflar o peito, será pra urrar, e o brado será retumbante a ponto de colocarem algo referente nos versos de algum hino nacional (hm?).
Descrentes; cacete, eu mesmo não tenho fé na vossa existência. Ouvi o que digo e tocai com as próprias mãos - o sangue ainda está quente, e a capacidade de ainda sangrar indica vida.
... Ou morte próxima, né.

Na pior das hipóteses, posso repetir o episódio de alguns anos atrás.
E então daqui a três dias ouvir-me-ão dizer: "BRINKS, TÔ VIVÃO!"

quarta-feira, 4 de junho de 2008

(She's So Heavy)

Pesada.
Porque hoje me apresento à junta militar pra mostrar que não tô afim de completar as fileiras militares da nossa pátria. Até considerei responder "Sim", mas o momento é diferente do que antes imaginava e as prioridades são outras. Ah, e não pensem bobagem: me interessam muito as missões de paz mundo afora, mas, bah, é o tipo de coisa que eu posso fazer sem uma farda...
Só fiquei meio insone por essa e por outras situações. Como me acalmei com tudo, vou dormir, já, e esperar que de fato as coisas saiam como eu espero que saiam.

Quanto à imagem, encontrei-a há um tempo e a achei bastante legal. Quem a fez foi o Matt, um dos criadores do Cyanide & Happiness. Infelizmente parece que eles retiraram a seção de obras pessoais do explosm.net. Tinha coisa realmente legal, lá, tipo essa imagem.

Bem, voltemos ao Sonhar? :-)
Abraços.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cinco Tampinhas

Tudo silencia
é manhã e nasce o Sol:
Alma regozija.

*

os dois discutiram noite adentro, madrugada, madrugada, madrugada, parecia que jamais encontrariam vencedor, até que Ele levantou, disse "cansei" e tirou o sol de trás das montanhas.
o Outro ficou quieto e observou o nascer do sol sentado perto do mar, cavou buracos que enchiam de água sempre que subia a maré, então ele esvaziava o buraco e o oceano voltava a encher e ele esvaziava o buraco e o oceano voltava a encher e ele esvaziava o buraco e o oceano voltava a encher.
absorveu então a aurora e ficou quietinho, e depois os dois se olharam nos olhos e o Outro meteu as mãos cheias de areia e água no bolso do macacão e disse "toma aqui as cinco tampinhas" entregando o prêmio a Ele e definindo por fim o vencedor da aposta.
depois disso, a pedidos, Ele passou a erguer o sol todas as manhãs como se a vida dependesse daquilo.


Zé Eduardo Martin Roquetti

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Das Coisas Que Não São, Não Foram e Jamais Serão

eu saquei a sua, entendi o que você queria comigo. e, meu, eu não tô afim. por isso não respondi.
sacou nada. você achou uma coisa e caiu fora, isso que aconteceu. saiu fora, ficou com medo, sei de quê, aí fugiu.
fugi?
fugiu. tem termo melhor? em outros tempos, aliás, eu perseguiria, mas nem é o caso.
não precisa menosprezar.
não é menosprezo. menosprezo seria se eu fosse atrás. estaria menosprezando a mim mesmo, e não a você. não sou idiota. não tanto.
só pareceu que estivesse me chamando de desinteressante.
nem. desinteressada, talvez. desinteressante você não é, não é não. me interessei por você.
viu? isso que eu quis dizer.
bem, aí você está confundindo as coisas. os interesses. você é interessante, eu me interessei por você, é simples e lógico de entender. mas você acha que meu interesse é vazio e efêmero. não é, porra. não descarto a possibilidade, não, não faço isso. não escondo que, mesmo sem ser uma escultura viva, você me consegue provocar tesão. porque você provoca, mas por quê só isso me interessaria? foi a primeira (e a última) vez que a gente se encontrou e você não parava de tirar sarro da minha cara, e eu tive a impressão de que eu era interessante o suficiente para que a gente se visse mais vezes. por que você era, pra mim. e, por mim, na semana seguinte sanaríamos algumas de nossas dívidas de bebidas e encontros. e aí você exibia mais do seu escárnio. escárnio maroto, o seu. não dava pra te encarar como inimiga - a cumplicidade era muito maior, por isso a gente ria. e aí a gente continuava se vendo, e no fim, quem sabe? eu não sei, você também não sabe, alguém tirou nossa oportunidade de tentar, não é mesmo? não permito que fale mais por que este é um diálogo de uma pessoa só, entende? nunca te disse nenhuma dessas coisas (desde o começo), e duvido que vá dizer um dia, mas pras coisas de antes eu acho que entendo sua cabeça e por isso pude criar respostas que coloquei na tua voz. pra essas aqui não sei o que você diria. não sei mesmo.
eu tenho planos. e outra pessoa, como você, não está neles.
aí está algo que eu imaginava, também. eis outra questão injustificada. você me colocou numa posição na qual eu não pedi pra estar.
não pediu, mas demonstrou.
não nego. mas pedi perdão. aceitei condições como causas, justifiquei meus atos.
desculpas.
mas foram desculpas sinceras, não acredita?
a sinceridade delas implica numa mentira futura.
quê?
é. se as desculpas forem sinceras, significa que no fundo - no fundo - era aquilo mesmo que você queria. logo, se você quisesse levar comigo uma relação não tão próxima, estaria mentindo pra si mesmo, mentindo suas verdadeiras intenções, escondendo-se na pele da ovelha.
porra.
então, prefiro acreditar que as circunstâncias te abriram o peito e (não)conviver com a imagem do você-real, puro e sem mentiras, a te ver toda semana e não saber direito qual máscara você está usando e porquê a está usando.
bem, isso é evitar. é fugir. mesmo que, depois de ter me destrinchado assim, não me restem mais máscaras pra exibir a você.
não resta? preciso te lembrar que eu jamais te destrinchei? preciso te lembrar que este meu aspecto, que possibilitou esse diálogo, é criação sua? preciso te lembrar que essa conversa jamais aconteceu?

verdade. jamais aconteceu.


Zé Eduardo Martin Roquetti

~ ~ ~


Bobagem é colocar assinatura nisso. Tenho achado tão interessante ler os diálogos no formato da Hilda Hist que poderia ter deixado sem meu nome, e aí poderiam pensar que era uma peça ruim dela. Então o formato é, em alguns termos, chupinhado. Os modos são diferentes, no entanto.

Outra particularidade que eu copiei, exageradamente: é foda de entender o que aquela mulher escreve. Falando da trama, mesmo; é subjetivo. Pois me dei o luxo de escrever linhas que possivelmente ninguém vai entender.
... mas aqui dentro é tudo verdade!

Abraços.


Nota de Edição:
alternei as cores, pelo menos, pra não ficar tão bosta de ler.
vejam como eu sou legal (idiota).

domingo, 18 de maio de 2008

Quem Tem Medo?

Sem medo.
O medo é a última coisa que a gente perde. Quando perde o medo, já tem mais nada a perder.
Mas ele ainda tem. Tem o que perder (e acreditem quando eu digo, é muito), tem portanto medo. Tem então que reformular seus conceitos: se tem o que perder, tem medo e não pode ser destemido como se expressa.
Aprendeu a conviver com o medo recentemente (aprendeu?). Sabe quando pode e deve coagir, usar e quebrar o medo ao bel-prazer. É o seu triunfo.
Não, retorno. Reitero. É ninguém, na verdade. Chegou a um patamar de ilusão que é por ventura capaz de enganar a si próprio. Enclausurado em seu pequeno mundo de fábula, ele crê na própria força como capaz de domar o medo. Se dorme, acorda cedo (nem) todo dia. Começa com o maior dos esforços e se levanta, contorcendo o corpo: a barba que ostenta tem peso quase insustentável. Reclama; garganta-reclama, pigarreia. Pinta no espelho o próprio retrato, de olhos que fulguram poder; o pincel são dedos e línguas, tinta sangue suor saliva, lágrimas-pûs das feridas e cabelos do ralo (que na verdade são os próprios). "Ei-lo", confere. Eis ali a imagem que enxerga de si. O homem (garoto, que seja) tão sangue tão suor tão saliva, tão pûs - um constructo de feridas, um golem de carne-viva; porém, vivo. Escoriado, porém, vivo. Preserva as olheiras e conserva as lágrimas, arranca os cabelos a cada escovada, jamais se olha nos olhos (verdadeiros). Poderoso, foge de casa. Corre. Perseguem-no, mas ele corre. S'esconde. Erra a gramática mil vezes, erra a hora, erra o lugar, erra as pessoas. (Pois) corre. Confiante de ter seguras as rédeas do medo, aquieta-se. Escuta. Quer tornar a maré a seu favor, e absorve tudo. Finge saber o que faz, cala a boca e escuta. Acredita que seja normal. Doma o medo (claro que doma). Corre se esconde. Corre o dia inteiro. Morre o dia inteiro. Arrasta-se no fim, de volta; é filho pródigo, é independente, é emancipado - é um grande idiota.
Não é pacto o que ele fez com o medo. O medo não pactua. Não, retorno. Reitero. O medo pactua sim. Ele abre a coleira e lança a máxima: "Vai entrar ou não?".
Aí você aceita.


Zé Eduardo Martin Roquetti


~ ~ ~




Dia a dia, há uma lição quase concreta.
Diariamente, quero dizer, a lição de sempre se renova.
São novas linhas (novas entrelinhas, portanto) e mil-e-uma merdas a mais, cuja veracidade deve ser discutida de imediato.
Aprender a lição não é concluir, mas compreender, talvez?
Não sei. E essa é uma resposta miserável. Ela declara (sem minha permissão) que meu final de semana rendeu aprendizado nenhum. Ou, que, na verdade, aprendi. Tardiamente. Sim, uma lição que deveria ter captado antes.
Desgostoso, decido abandonar algumas coisas.
[...]
Pronto, abandonei.
Talvez vocês percebam, talvez não.
Ainda levo meu celular no bolso (todo dia, junto com a barba), talvez cheque meus e-mails uma vez ou outra. Estou por aí de novo.
Que se quiserem que eu explique tudo isso, que me procurem por aí. Por "aqui" não sou mais. E sem exigências. Queriam que eu dissesse mais o quê? Isso é um blog. Aliás, isso é o meu blog.
Sinceridade, vamos - esperavam mais? =)

Abraços.

domingo, 4 de maio de 2008

círculo vicioso, fluxograma

Determinação
Processo
Desistência
Desespero

Elucidação

Determinação
Processo
Desistência
Desespero


Elucidação

Determinação
Processo
Desistência
Desespero



Elucidação

Determinação
Processo
Desistência
Desespero




Elucidação

Determinação
Processo
Desistência
Desespero





Elucidação

Determinação
Processo
Desistência
Desespero






.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Na Língua dos Melros

A selva está gelada hoje como em todo começo de inverno e as folhas estão quase que inteiramente cobertas por pingos d’água, que surgem pela manhã. Está frio. Aprumo as plumas enquanto os pequenos acordam, já piando alto como se a fome os tivesse açoitado durante todo o sono. Pio com eles. Hoje será difícil alimentá-los. O frio mais intenso que nunca os acordara cedo demais, e, sem uma mãe para acalmá-los e aquecê-los, não poderei deixar o ninho. Mas devo. Mas preciso.
Mas não se calam, os pequeninos. Os três nasceram Pretos, como eu; a quarta, única Castanha, não quebrou o ovo. E não se calam. Piam alto, piam forte, piam fome. Eu silencio. Olho à volta, disfarço, acreditando que todos entenderiam se eu quebrasse as regras uma vez apenas; uma vez ou outra, talvez, mas saberiam meus motivos. Saberiam que é começo do inverno e que acordamos cedo demais, saberiam que o Jaguar tomou a mãe Castanha e que não se pode deixar um ninho sem cuidados. Saberiam que eu não tinha escolha. A grande Mãe sabe dessas coisas, e nenhum filho padece sob elas. Por isso modifico o procedimento. Entôo a canção, a primeira do dia, pois hoje o Melro cantará três vezes. Não é a canção da Manhã, que se canta depois do desjejum e que se saúda a luz da aurora. É a canção da Noite, na qual concordamos com a treva que o crepúsculo traz e restamos em silêncio. Nós Melros conhecemos muitas canções.
Grave e lenta a melodia, reconfortante, submissa. Quer queiram, quer não, toda a selva deve ouvi-la agora, pois é dela que minha cria precisa. E todos ouvem. Quem já amanhecera se assombra, mas adormece mesmo sob o frio. Quem se ativara ergue os olhos e estranha, imaginando um aviso, e não dorme mais, agora em alerta como se fosse noite, mesmo. Afinal, também as aranhas e morcegos se acordam com minha canção, mas não abrem os olhos, pois a luz lhes aflige. Os pios cessam. Dormem os pequenos, novamente, e em dois ou três vôos tenho folhas secas para cobrir o ninho até minha volta.
A selva questiona-me quando vôo. Seria noite agora?, qual razão leva o Melro a cantar a noite em dia frio como hoje?, mas entendem, no fundo, sei que entendem, pois meu vôo é agitado e atento ao chão, ao amarelo das bananas, ao rubro dos formigueiros, ao cromado dos besouros, e assim eu vôo, eu mergulho e pouso e viro a laranja co’a fenda para cima, pois caiu-se com baque à noite e abriu-se com a queda tal qual os olhos abrem com a manhã, e cutuco com o bico e está boa e saudável, e não me privo de bicá-la para mim, e está fresca ainda e está madura e menos azeda que nas estações anteriores. E me acalmo. Sabia que a Mãe compreenderia. Aceito a oferta, coleto as bagas pensando em cada um de meus três filhotes, e tomo altura batendo asas com pressa e sem presságios.
O retorno é valoroso e tão reconfortante quanto o silêncio da fome. Ninguém acusa, ninguém pergunta, ninguém duvida. Sabem que o Melro não busca comida à noite, e eu encontrara agora e voltava ao ninho. Sabem que não é noite, mas duvidam do dia, enquanto os mais astutos aguardam, já sem confusão, e observam. Dá-se logo minha chegada, estou afoito. Acordo-os, eles voltam a piar depois de pouco, mas desta vez sentem o aroma cítrico do meu bico e de minhas penas e pedem pelo que eu trouxera. Alegro-me, e, mais de uma vez, bico a bico dou-lhes bagas, e bico a bico escuto satisfação e silencia a fome.
No silêncio da fome inflo-me e tomo voz segura, toda selva aquieta-se como se de repente prendesse a respiração. Soa a canção da manhã, rítmica, de gradativo calor e abrangência incontestável. Os feixes de luz passam, então, a invadir a selva, e as outras canções a surgir, convictas da manhã que anunciam. Termino minha canção, olho à volta. Os que amanhecem com o som agora compreendem, apesar de já saberem, e eu sei que sabiam, e os de olhar mais aguçado confirmam suas pequeninas teses e os predadores e demônios da noite aprofundam o sono; e minha prole se ergue vívida do ninho ao mundo, pois é manhã.
Tem-se um dia inteiro até que a noite exija uma nova canção; tem-se um dia inteiro até então.


Zé Eduardo Martin Roquetti

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Pois a língua dos Melros não possui escrita e nem é compreensível à maioria dos leitores. Por isso o Português.
Abraços.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Testamento

Meu testamento fugiria aos padrões, creio.
Quer dizer, não que eu tenha pesquisado testamentos por aí; falo dos típicos, aqueles que justificam bens a familiares e amigos, e também pedidos, para que as pessoas realizassem aquilo que não deu tempo de ser feito. Tipo o trabalho pra faculdade, pro dia seguinte (mas valendo menos nota), mas não exatamente daquele jeito.
Posso fazer uma prévia?
Ok, posso.
Acho que começaria com um pedido bem simples. "Não chorem". Tá, é um negócio meio inevitável, meio impossível de se cumprir. Choro é um negócio engraçado. Mas mesmo assim eu pediria isso. Tipo, "esta é minha última morte. Deviam ter chorado enquanto eu morria em vida". Aquela vez em que eu me decepcionei. Aquela vez em que me caiu o mundo por causa de uma guria. Aquela vez em que eu não parecia mais capaz de sonhar. Por quê não choramos nessas horas, se morremos um pouco em todas? E estou sendo modesto, acreditem. Jamais morri pouco, e duvido que os outros o tenham feito. A gente morre, e morre muito. Perde um bifão da vida e nem percebe, deixa passar. Por um lado é uma maravilha, a relevância, mas por outro é até cruel - a ignorância. Não ignorem as mortes. A partir de agora, valorizem-nas; e a morte final não parecerá tão cruel. Lembrem-se que não se sabe o que há depois. "Quando se mata um homem, não se sabe nem o que está lhe tirando, nem o que está lhe dando", e isso é Byron e isso parece-me verdade. Então não chorem a morte. Chorem a ausência que se seguirá, o vazio que deixarei. É o que dói, na real, não é? Então ok, aí podem chorar. Mas não no velório. Preencham o velório (preferencialmente em minha futura casa) com as lembranças legais, e festejem a passagem. Festejem, pois onde eu estiver, estarei preparando o lugar a todos vocês, e nem por isso terei ido embora. Voltarei para onde vim, e isso significa que estarei sempre aqui, como cidadão universal que faz parte de cada partícula da Terra que habitamos. Concepção surreal, mas tá aí pra ser festejada. Bebam (sem vomitar no cadáver), toquem músicas. Preparo até uma lista. Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd, Yes, e as músicas que se tocam em fogueiras. Façam barulho. Deixem que o vizinho toque à porta; vocês abrirão, e ele dirá: "Que festa é essa? Façam menos barulho! Onde está o José Eduardo?", e, por favor, quero boas respostas. Tipo "Ele está ali no centro, pode ir falar com ele", ou "Opa, ele morreu. Este é seu funeral. =D". Brindem. Brindem com o vizinho. Lembrem de todas as cagadas que fiz em vida. Editem minhas poesias, lancem livros e doem a renda a algum centro maroto de assistência social. Falem mal de mim. Reúnam as namoradas e acabem com a minha honra. É isso que fazem com os mortos.
Mas usem tambores, violinos, violões, bandolins; flautas transversais. Cavaquinhos, pandeiros e faixas amarelas. Exatamente, sem choro nem vela. Sem crisântemos, cravos ou quaisquer outras. Perfumem a casa com insensos e disponham orquídeas, angélicas, jasmines e lírios do campo pela casa. Festejem. Dancem valsas.
Em memória a mim, senhoras e senhores, festejem.
Em memória à minha inabilidade com a escrita.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Da Casa de Anil

Montes exatos, mas duplos, errados
foram a base porque você quis.
Tão metódicos eram os gramados,
duvidavam - fariam-lhe feliz?

Eram nas nuvens, então, refletidos
E era o ar, então, densificado
Pois em dúvida estava envolvido:
chovia do chão, chovia do alto.

Mas mesmo assim o lugar foi regado
E ali no topo, tudo planejado,
E o quanto antes pôs-se a construir.

E mesmo em meio aos ventos gelados
Ali nos morros ergueu seu reinado
Com uma casa feita de Anil.

Zé Eduardo Martin Roquetti



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Quase dois meses sem postagens, hm? Considerando que sou o único a ler e escrever aqui, não fez falta. Esta é, portanto, uma conversa justificativa que estou a ter comigo mesmo.
A ausência aqui criou-se pela convicção de que a comunicação andava falha e a expressão intencionada inexistia. A volta deu-se pela convicção de que eu não receberia essas habilidades de um dia pro outro: deveria haver treino.
Pois bem, há novamente.

Começo esta fase com Da Casa de Anil, que trata do começo de outra fase. Os Sonetos da Casa de Anil só têm fim quando aqui admitir-se a conclusão da dita fase.
E é só.
Aguardem, portanto, mais sonetos (sem sono).

Abraços.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

17º filha da puta perdedor

Eu não estava em casa, pra começo de conversa. Estava alojado na casa dos meus primos por pouco, mas não sei quanto, tempo. De qualquer maneira saí me sentindo um filha da puta. Peguei carona até o metrô com o primo que dirigia e acompanhei sua namorada até que nossas necessidades nos fizessem tomar rumos diferentes, trens diferentes. Acho que eu fui pro Norte e ela foi pro Sul. Não faz diferença.
Era dia da Parada Gay. E lá estava eu, no metrô, dirigindo-me ao que eu acreditava ser o fim de algo. E o metrô dá acesso a uns quatro ou cinco cantos da cidade, então estava, como sempre, cheio de gente. Mas era dia da Parada Gay. E digo uma coisa, se quer algum dia observar coisas e pessoas novas, mas só quer um pouco e sem muita interação, ande de metrô em dia de Parada Gay. É definitivamente diferente; uma pequena faceta, mas é.
E lá estava eu, indo de metrô ao terminal rodoviário, com a minha cara de filha da puta perdedor. Essa cara é aquela que a gente faz quando pensa "É... poizé. Fazer o quê." e suspira que nem um paspalho. Cara de perdedor. O engraçado é que esses dias anuviados (sem trocadilhos aqui) têm essa denominação por um motivo maroto: não se consegue analisar com clareza as situações, portanto, a verdade é vista nublada e turva. E naquele dia eu me sentia um filha da puta perdedor. E pensando hoje, com a tal clareza, eu era mesmo um filha da puta perdedor. A única diferença é que agora eu sei mais um pouco das coisas e sei muito menos de tudo.
E, engraçado, nesses dias você olha pra todas as pessoas com uma esperança maior. Você pensa em coisas que te consolam, tipo "veja a parte boa, você é um filha da puta solteiro, agora", e toda mocinha elegante e de aspecto inteligente te chama atenção e te parece um alguém legal pra chegar e assoprar as tempestades que te assolam. Mas não é assim que funciona.
Sério, você vai lá no guichê da companhia rodoviária e diz que quer devolver a passagem. "Oi, gostaria de fazer uma devolução", e fica sorrindo que nem um filha da puta perdedor, esperando a atendente olhar pro teu rosto e perguntar "Nossa, por quê?" e você contar como foram seus últimos seis meses, como você arrecadou uma grana, como você comprou uma passagem pra ir atrás de uma guria, como tudo acabou, como você foi babaca e como você veio devolver a passagem. Claro, sem esquecer de mencionar o modo como você se sentia um filha da puta perdedor. Sempre. Mas, putz, todo mundo sabe que isso só acontece em filmes. E nos filmes o cara joga futebol americano, tem uma grana legal e está numa universidade do governo, e só quer trocar as passagens por mero esporte e a atendente é uma estagiária da mesma idade, elegante e com ar intelectual, e não uma mulher com o dobro da sua idade e um anel de noivado na mão. Cena digna de um cara que está longe de um filha da puta perdedor.
Longe, bem longe de mim.
Porque no fim você pegou a grana de volta (com 5% descontado, um absurdo), e você percebe que a grana não vale nada, na real. Suspira que nem um filha da puta perdedor e faz o caminho pra casa, observando as mulditões homossexuais, bissexuais, transsexuais, simpatizantes e afins, pegando a condução junto de monocelhas, comunistas, vadios, universitários, atendentes e filhas da puta perdedores.
Eles tomam o controle das estações e enchem uma das avenidas mais importantes da cidade, pois é o dia deles. Mas o glitter em excesso tira todo o brilho do seu dia de filha da puta perdedor e, portanto, você acha necessário perpetuar o dia pelas próximas semanas, e responde tal qual o filha da puta perdedor que é:
"Ah, acabou."
"Devolvi, né."
"É. Fazer o quê." (suspira)
[...]
"Filha da puta."
Até que o Carnaval chega ao fim e você chega a claras conclusões, juntando ontem e hoje.
E só diz "Dezessete anos. Grande merda", porque não faz diferença, mesmo.
Gastou a grana com sexo, drogas e rock'n roll, da maneira que um perdedor filha da puta faria; o sexo não era de verdade, as drogas não eram ilícitas (sequer previstas pelo Ministério da Saúde) e só comprou material cagado do bom e velho rock'n roll.
Deixa uma porrada de pessoas pra trás. Fecha os olhos que nem um... bem, você sabe o quê.
Guri de dezessete anos. Falta um passo pra você ser finalmente reconhecido como alguém responsável pelos próprios atos.
O tempo de filha da puta perdedor acabou.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Que culpa?

Se o cachorro come metade daquilo que vomitou
Se a criança é malcriada e mimada
Se a casa é um inferno

A culpa é de quem?
Foge-me à percepção.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Primeiro Dia de Aula

Depois de doze horas (ligeiramente interrompidas) de sono, acordei descansado. Depois de alguns minutos, lembrei-me que hoje era o primeiro dia de aula. Depois de outros tantos segundos, ri.
Pois depois de mais de dez anos, não havia mais escola. E depois desse tempo todo, tudo que você aprendeu na escola parece inútil
depois de um final de semana, do qual você acorda completamente novo.


E tem mais um milhão [?] de coisas a aprender.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O Fortuna (Imperatrix Mundi)

"Ah, essa São Paulo
são tantas cidades
nunca tantas quantas gostaria de ser."

Engenheiros do Hawaii em Sampa no Walkman



*





Vidro, concreto e metal.
Eis que hoje esta metrópole aniversaria. Decidiu-se então que participaríamos da comemoração, e lá fomos, amanhecidos por demais, visando a peça orquestrada Carmina Burana, em única apresentação no Theatro Mvnicipal (ui!) ao dia em que a cidade envelheceria.
Eu só pretendia dormir uma hora hoje, mas o sono venceu e a hora passou; quando todos chegamos às portas do digníssimo Teatro, havia aquele monte de gente. Um monte de gente, aliás, inesperado pra mim, que, se soubesse de tamanha procura, nem dormido teria. Então chegaria em tempo de pegar os ingressos para mim e para os meus - mas isso não aconteceu. Depois de algum tempo (até nos convencermos que os ingressos não cairiam dos céus), fez-se nova decisão, e assim buscamos nos arredores alguma distração.
Uma primeira direção saiu insegura, e acabamos, inconscientemente, seguindo para lá - ao largo São Bento - e no caminho foi possível captar certas (in)compreensões acerca desta São Paulo.
Inicialmente veio até nós uma senhora de aparência comum. Era já um tanto quanto velha e encolhida, mas com um aspecto saudável e uma fala calma e desenvolvida, cujo tom são a mente não devia compartilhar. Incomum, até, já que nos encontrávamos no centro da cidade, onde grande parte dos sobreviventes - seja por vício ou por loucura - monta diálogos desconexos e pouco amistosos (só ou com os transeuntes). Não parecia um dos tais, a senhora, e nem pedia como eles: trazia mensagens de alguma Congregação Cristã. A mensagem consistia em avisar-nos que, depois de um grande sinal, todo o país sofreria catástrofes, e então, haveria o tempo de paz. Fico grato pelo aviso, São Paulo. Já saberei o que fazer quando os vulcões acordarem e os maremotos engolirem a terra.
Minha presença no Viaduto do Chá naquele momento seguinte foge-me à razão. Lá embaixo, no Vale do Anhangabaú, stands e um palco montado, de onde se ouvia o som do Axé. E em poucos momentos, no ilustríssimo palco do Teatro, a orquestra e o coral interpretariam Carl Orff. E agora, José? José estava sobre o viaduto, mastigando suas próprias interrogações e começando a engolir sua indignação (ainda para com o fim dos ingressos), no caminho ao Mosteiro.
O caminho não era tortuoso, sequer estava cheio, hoje - mas havia o aroma incessante de uréia, ácido úrico e amoníaco. Mijo, se preferir. As ruas e praças do centro fedem a urina. Eis a resposta quando você encara o chão molhado da Praça da Sé e se pergunta: "Ué. Mas choveu?".
Bonita, a Basílica. Bem escura, bem bonita. Ouro nas pinturas, Posseidon e seu tridente na fachada, o Zodíaco no teto, logo à entrada. Curioso.
Seguiríamos então até a Catedral da Sé. Antes, no entanto, é preciso lembrar da passagem pelo Pateo do Collegio, onde tropas paulistanas homenageavam a cidade com marchas e coros, enquanto moças e rapazes entregavam-nos bexigas com gás e nos faziam parecer (mais) crianças (mais) bobas. E seguimos à praça da Sé.
Em plena praça, manifestavam-se pessoas contra o preconceito, expondo um boneco metade branco, metade preto, e com um chapéu de cangaço vermelho; nas cores da cidade, o boneco indicava a óbvia miscigenação. Ao lado, umbandistas sagravam seus Orixás. E dentro da catedral lotada, alheios a tudo lá fora, assistiam à missa, os paulistanos. Passamos por todos, e, como não podia deixar de ser, fomos assaltados. Dois garotos gentilmente tomaram nossos balões. Nós demos, né, fazer o quê.
Gente de todo tipo na Sé. Inclusive um peregrino paulistano, que repentinamente veio a nós e contou-nos um pouco sua saga ao vir diapé de Santo Amaro até o Centro. Impiedosos, negamos-lhe ajuda sob teto cristão. Jesus provavelmente andaria com o cara até Santo Amaro (pois não daria a ele aquilo que não tem), mas descobriria tarde demais que o homem lhe vendera aos oficiais por um Bilhete Único carregado. Gente de todo tipo.
Alheios à festança em diversos pontos desta capital, dormiam os mendigos, bêbados e abandonados. Sobreviviam, e, penso agora, sonhavam como todos os demais paulistanos. Alheios ao que quer que seja, dormiam, capotados às inúmeras soleiras de padarias e bares fechados desta São Paulo (parabéns, paulistanos, hoje é o dia de vocês).
Alheios então à desconfiança, voltamos ao conforto de nossos lares.
E cá estou, cuspindo os restos das minhas interrogações e juízos de tudo que vi hoje. Houve que não dei muitas justificativas ou explicações por não caber a mim dar aquilo que não tenho... e também por crer que já entreguei palavras demais, juízos demais, baboseiras demais.
Não leiam. É só um típico e eterno Blá Blá Blá.