segunda-feira, 4 de maio de 2009

Travesseiro de Outono

Meu mundo laranja, marrom, dourado. Minha grama fosca, opaca, minha brisa veraneia que ainda não se foi. Aquele frio matinal, aquele Sol todo amarelo-pastel que cavalga implícito e sem graça até sumir – meu frio de fada, meu potro pastel, ambos meus, todos meus. Meu quintal de casa grande, grande e ainda mais vasto dentro de mim: era varanda, campo, arbustos, floresta de bambuzais; meu pátio vivo. Meus dias de Outono, minhas folhas de ouro levantadas do chão por um vento infantil.

Outono é o tempo dentro do suspiro entre o adormecer do cisne e o despertar da coruja, que se reúnem e se confinam numa mesma fronha, mesma cama de outono, meu travesseiro de plumas. E enquanto a cabeça pesa no macio da almofada e durante o sono do cisne e antes da coruja acordar, ele vem e me visita, dá-me um beijo e mil afagos que guardam meu sono, minha noite, meu outono. No dia seguinte o potro Sol é quase um corcel d’ouro, e a fada brisa, gelada rainha. O ar é todo denso e carinhoso, e seria colorido se não preferisse ser todo amarelo. Eu me faço correr pelo campo enquanto da varanda ele me observa, e corro e pulo com a leveza das folhas de outono que aprenderam a flutuar, e realizo que minha alegria tem o tamanho do brilho que os olhos dele tiverem, e vice-versa.

Nunca fui cisne, nunca fui coruja; jamais fui pássaro algum. Mas quando ele corria da varanda e atravessava o gramado ao meu encontro – quando me encontrava e me erguia do chão, braços envolvendo minha cintura como laços de cetim, mãos leves e o peito acomodando minhas costas, confortável como o corpo das corujas e dos cisnes parece ser – eu voava e era fantástico tal qual o bote de uma única coruja, tal qual cem cisnes povoando um lago em branco-pérola. Era como se ele fosse um travesseiro feito de ventos e, eu, leve como uma pilha de folhas que se espalha e se expande pelo ar em risadas, enquanto rodopiava e transformava todo meu mundo naquilo que meu mundo realmente era: um borrão multicolorido, dono de todo tom laranja, marrom, dourado; bambuzal, casa grande, quintal; corujeio, arenso, meu riso sem freio e o silêncio do sorriso dele ao pé da minha orelha, eternizado no abraço, no giro, no borrão de cores.

Nem em coruja nem em cisne; eu fazia minhas asas e alçava voo nos braços do homem que me assistira quebrando a casca do ovo e me ensinara a voar. Nele aprendi a tomar os céus mesmo depois que caíssem as folhas e que o mundo (meu mundo) caísse num azul-cinzento sem cura. Pois azul é a cor que segue a queda das folhas secas e a morte da brisa; e, do ocaso dos ventos, nasce o Inverno.


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Começou como um desafio de produzir algo baseado em algum dos filhotes da Leila. Escolhido, tornou-se quase que involuntariamente uma singela homenagem a uma nativa dos Outonos e amante das folhas secas...
É a primeira vez que vejo uma coincidência que não é uma coincidência de todo.
Enfim, ei-lo(a).
Vou arranjar uma máquina de escrever.

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