quarta-feira, 9 de abril de 2008

Testamento

Meu testamento fugiria aos padrões, creio.
Quer dizer, não que eu tenha pesquisado testamentos por aí; falo dos típicos, aqueles que justificam bens a familiares e amigos, e também pedidos, para que as pessoas realizassem aquilo que não deu tempo de ser feito. Tipo o trabalho pra faculdade, pro dia seguinte (mas valendo menos nota), mas não exatamente daquele jeito.
Posso fazer uma prévia?
Ok, posso.
Acho que começaria com um pedido bem simples. "Não chorem". Tá, é um negócio meio inevitável, meio impossível de se cumprir. Choro é um negócio engraçado. Mas mesmo assim eu pediria isso. Tipo, "esta é minha última morte. Deviam ter chorado enquanto eu morria em vida". Aquela vez em que eu me decepcionei. Aquela vez em que me caiu o mundo por causa de uma guria. Aquela vez em que eu não parecia mais capaz de sonhar. Por quê não choramos nessas horas, se morremos um pouco em todas? E estou sendo modesto, acreditem. Jamais morri pouco, e duvido que os outros o tenham feito. A gente morre, e morre muito. Perde um bifão da vida e nem percebe, deixa passar. Por um lado é uma maravilha, a relevância, mas por outro é até cruel - a ignorância. Não ignorem as mortes. A partir de agora, valorizem-nas; e a morte final não parecerá tão cruel. Lembrem-se que não se sabe o que há depois. "Quando se mata um homem, não se sabe nem o que está lhe tirando, nem o que está lhe dando", e isso é Byron e isso parece-me verdade. Então não chorem a morte. Chorem a ausência que se seguirá, o vazio que deixarei. É o que dói, na real, não é? Então ok, aí podem chorar. Mas não no velório. Preencham o velório (preferencialmente em minha futura casa) com as lembranças legais, e festejem a passagem. Festejem, pois onde eu estiver, estarei preparando o lugar a todos vocês, e nem por isso terei ido embora. Voltarei para onde vim, e isso significa que estarei sempre aqui, como cidadão universal que faz parte de cada partícula da Terra que habitamos. Concepção surreal, mas tá aí pra ser festejada. Bebam (sem vomitar no cadáver), toquem músicas. Preparo até uma lista. Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd, Yes, e as músicas que se tocam em fogueiras. Façam barulho. Deixem que o vizinho toque à porta; vocês abrirão, e ele dirá: "Que festa é essa? Façam menos barulho! Onde está o José Eduardo?", e, por favor, quero boas respostas. Tipo "Ele está ali no centro, pode ir falar com ele", ou "Opa, ele morreu. Este é seu funeral. =D". Brindem. Brindem com o vizinho. Lembrem de todas as cagadas que fiz em vida. Editem minhas poesias, lancem livros e doem a renda a algum centro maroto de assistência social. Falem mal de mim. Reúnam as namoradas e acabem com a minha honra. É isso que fazem com os mortos.
Mas usem tambores, violinos, violões, bandolins; flautas transversais. Cavaquinhos, pandeiros e faixas amarelas. Exatamente, sem choro nem vela. Sem crisântemos, cravos ou quaisquer outras. Perfumem a casa com insensos e disponham orquídeas, angélicas, jasmines e lírios do campo pela casa. Festejem. Dancem valsas.
Em memória a mim, senhoras e senhores, festejem.
Em memória à minha inabilidade com a escrita.

2 comentários:

Anônimo disse...

Hey, véi, adorei o texto... até a penúltima frase.
A última podia ser cortada.

De resto, foi uma idéia bem legal. Se fosse comigo, adicionaria músicas com flautas no funeral.

Abraço!

Anônimo disse...

Algumas verdades, algumas cenas bonitas, morremos um poucão às vezes, mas, enfim... Precisamos continuar...
Concordo com o tipo de funeral, rss
Ou ser queimado em teu próprio barco, como eu não tenho barco (ainda), rss a idéia fica pra depois!^^


Jócus Pócus
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