quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Caricatura

Ontem, disposto.

Acordei uma vez, e nada, quis voltar.

Acordei uma hora depois e não tinha mais o que fazer na cama.


Estava disposto, artístico.

Fingi-me alfaiate e remendei o jeans da bermuda recente; fingi que fui até a farmácia (mas comprei biscoitos), fingi-me cozinheiro e fritei ovo e salsicha no azeite; artista.


Cortei cartões freneticamente, tive bons resultados.


E, de súbito, nem sei mais porque, peguei um único sulfite e trouxe pra cima, pensando comigo mesmo que não precisaria de outra folha para o que eu ia fazer. Sentei ao computador, folha branca à frente e lápis na mão, e surge na cabeça exatamente o que eu queria. Abri uma foto, olhei fixamente, segurei o lápis de suave e com certeza, e comecei. Foi cabeça, foram cabelos, sobrancelha, nariz, queixo; tive que reunir coragem pra fazer os olhos, porque tudo já ficava tão parecido com você que achei que seria melhor se não continuasse. Mas comecei os olhos, eventualmente terminei os olhos; não me privei de desenhar suas olheiras. Brinquei com sombras, voltei aos cabelos, refiz as sobrancelhas e apaguei o nariz. Tudo reconstruído, olhei de longe e vi a testa menor que antes e bem díspare da original. Resmungo. Resmungo. Foda-se. Foda-se mesmo, qual o próximo passo? Olhei. Era a boca. Resmungo. Boca é foda. Agora fodeu mesmo. Eu poderia deixar como estava: e ficaria que nem o outro desenho, carente de lábios, dentes, sorriso, por pura incapacidade do fingido do artista. É foda desenhar sorrisos, pensem nisso. Sorrisos bonitos, imaginem só. Responsabilidade grande demais ainda mais para um amador. Mas tentei. Novas coragens de não-sei-onde, e esbocei seu sorriso. Demorou. Fiz sorrisos ridículos e bastante afastados do seu. Refiz o nariz mais de uma vez, e do nariz puxei outros contornos – dobrei bochechas e covinhas, até me deparar com os lábios. Lá estavam eles, os lábios. No papel, os lábios. Possíveis de alguma dimensão, enfim, eu os havia descoberto. Eu mesmo sorri, e me vi refletido, no durante e no depois, naquilo que eu desenhava, pois você sorria de volta para mim. Ri, fiquei feliz. Acertei seu sorriso. Descansei.

Quando tomei de volta o lápis, foi para corrigir e retocar. Senti-me deus. Senti-me deus recapitulando o instante da criação, pois eu maquiava-a com as sombras do grafite como se rememorasse o desenho de um ser de verdade. Criei você de novo, no preto, branco e cinza, sulfite e grafite, A4 e HB. O lápis de olho sobre os cílios, o retoque às sobrancelhas, o brilho nos lábios e a luz que dava os contornos ao resto da face.

Satisfeito. Assim me senti ao acabar. Muito satisfeito, aliás. Horas a fio em trabalho, esforço absurdo tentando puxar de dentro um talento que talvez não exista; e eu havia acabado, finalmente. E estava satisfeito.


Satisfeito a ponto de mostrar meu feito aos outros.

Pra quê?, me pergunto. Pra quêêê?

Perguntaram se era uma caricatura! Chamaram aquela merda de “caricatura”! E eu percebi: estava cômico, infame, era realmente uma droga de caricatura. O grande problema era que, como eu não queria uma caricatura, ficava bastante óbvio que o desenho era um wannabe de bom-desenho, mas que ficou ruim. Muito ruim. E por isso não dava pra dizer “é uma caricatura”, como se houvesse vários pingos de suor no papel que disdissessem qualquer mentira do tipo.

Passei a odiá-lo. Odiar os rabiscos que fiz com coragem, porque, apesar de parecerem você, minha amiga, eram mais dignos de riso que de admiração, e por isso eu talvez não os queira vidrados num quadro.

Talvez. Talvez o envie.

Talvez.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu desenho todos os dias, nasci pra isso. Vou rabiscando papéizinhos, cadernos, mesas, o telefone tem uma boca bem vermelha e aberta, quadros da casa, minhas pernas, meus braços, o controle remoto tem uns dedos desenhados, o armario da cozinha (certo que eu levei uma bronca enorme por desenhar uma mulher gorda na porta do armario), desenhar é minha conpulsão, que me domina as vezes (quase sempre) e não me deixa, não me deixa satisfeita nunca!
Fico feliz com tua satisfação.
Vai me mostrar o desenho, né?


Besos!

Te ligo um dia! ;D