quarta-feira, 15 de setembro de 2010

café

quando peguei Café no colo pela primeira vez.
tremia bastante, era uma filhota muito recentemente desmamada e saía de casa pela primeira vez. não soltava pêlos, não se mexia muito.
meu avô comentava sobre como as outras duas filhotas tinham cores mais claras: "esta é mate-com-leite, esta é café-com-leite. aquela ali", olhou pra fêmea no meu colo e concluiu "é só café".
olá, Café.
decerto você diria "Café é um nome bem picareta para um cachorro, Zé" e eu concordaria com você. "é", eu diria. "bem-vinda ao meu mundo, Café".
depois de inúmeras manhãs de domingo passeando nos parques e praças daqui, em menos de um ano estaria grande o suficiente para que eu te comprasse uma coleira mais confortável e toda noite que chegasse em casa, tarde da noite que fosse, te pegaria pra passear. os domingos se repetiriam nas áreas verdes: brincadeiras já memorizadas e minha voz familiar como a de um pai, não precisaria segurar sua coleira pra te fazer voltar pra perto; eu chamava e seu retorno era iminente e desembestado como a cadela boba e carinhosa que você se tornara com o passar dos anos.
e ao passar dos anos eu deixaria meu lar e você viria comigo, maiores as suas lágrimas em eu abandoná-la que as de minha irmã mais nova em perder a mascote da casa. um espaço maior e mais aberto, uma vizinhança nova, um cachorro igualmente bobo e vira-lata pra que você se enturmasse com os teus nas redondezas. a manutenção da rotina, os banhos sofridos de sábado e os passeios noturnos. seu brinquedo favorito, renovado uma ou duas vezes a cada mês por ser comestível e muito mais saudável que qualquer porcaria de plástico.
Café, você cresceu. se algum dia teve patinhas sujas eu logo percebia e te limpava, que as patas eram a parte caramelo do teu pelo quase preto e não era possível ignorá-las sujas; não raras as vezes que você as carimbava nas minhas roupas assim que eu chegava, e era meu dever relevar - quantas vezes não te dei abraços cheio de perfumes que não eram sequer parecidos com meus cheiros?
seu rabo longo e chicoteante, sempre abanando à menor vista do dono, sua orelha ligeiramente torta e rasgada por quando defendeu a casa d'um invasor qualquer (sobreviveu parcamente àquele dia, e foi o máximo que um cão faria por mim e quando choramos juntos aquela noite fui confidente e soube acreditar que era por mim que você o tinha feito).
não sei dizer, Café, como você ficou doente ainda anos depois e ainda depois de outras mudanças. chegaram os donos de sua mãe, nesse momento, e fiz em você uns últimos carinhos enquanto você lambia com calma os sonhos que me escorriam pelas mãos. olhei você nos olhos e você piscou de leve umas vezes. saudei-a em silêncio e me despedi não sei por quanto. "tchau, Café"; e entreguei teu corpo vivo, pesando poucos dias e uns sonhos de sobra, à mão de outro que te levou embora.

2 comentários:

Anônimo disse...

se faz a phada chorar
se lembra que toda criatura viva morre sozinha
mas vive centenas de vidas no tempo que tem
cada vida vivida tocada na sua
essência atraindo essência
animal e planta e gente-bicho
se faz a phada chorar porque ela percebe muito de tudo um pouco
percebe demais

Claudia disse...

><