quinta-feira, 9 de setembro de 2010

todos fazemos.

e esta noite você está no meu chá.
eu, cansado pra tentar fazer algo bonito, novo ou poderoso.
eu, querendo desabafar porque seu cheiro sobe da xícara em formato de vapor.

achei que alguma mágica ia acontecer quando eu despejasse a água fervente no copo. no fundo do vidro, partes das suas folhas secas; a coloração variava mas todo resto seu era pálido e escondia um reflexo lilás muito distante, mas ainda presente. lilás em tons de lembrança, só, que tudo era mais ou menos cinza.
lembro do mate tostado. desce da chaleira o torrente fervido e as folhas marrons sobem, descem e submergem num pequeno pandemônio aquático sob meu controle; antes mesmo do copo encher e acabar a derrama, a água já está toda manchada e escura da erva mate.
não aconteceu com você.
queria vê-la tingindo a água quente de violeta, e um violeta que perdurasse até o último gole. não houve mágica e a água mal mudou de cor quando mergulhou seus restos cinzentos.

ao fim de cinco minutos de infusão estava lá um líquido ralo e numa cor talvez até mais clara que os chás de erva-doce. coado, transposto à xícara - seu cheiro impossível de negar.
diabos. o chá mais gostoso de todos, também o mais dolorido.

a mentira: o cheiro e gosto me lembram do que aconteceu.
a verdade: a verdade é que a menor menção já me remete ao que eu (não) fiz. o resto é tortura. o resto é masoquismo.

chega em casa o pacote manufaturado e vendido em atacado com suas flores secas e prontas para infusão - seu nome, "lavanda", impresso numa etiqueta; seu outro nome, "alfazema", gravado na memória e preso a associações diretas.
e você não chegou sequer a dar flores. enxergo você no pacote ainda assim - ali está um futuro seu que nunca vamos alcançar, as flores cinzas e secas e prontas para infusão, a promessa de um perfume, a imagem das manchas lilases sob a janela, sobre uma varanda. o cheiro e gosto que vêm depois me lembram sim da época em que você era verde (e não cinza) e passar a mão pelas suas folhas deixava meus dedos cheios de uma graça sem remédio, que não saía fácil.

a metáfora:

deus, permita que eu me perdoe por ter arruinado seus menores sonhos.
é uma súplica.
você queria ser verde e lilás, e eu lhe fiz cinza.
porque todos esquecem de regar as plantas e eu me comportei como um qualquer.

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