quinta-feira, 20 de agosto de 2009

quiescência.

mesmo as palavras têm seu corpo e a pronúncia faz delas flechas concretas que, ao alvo ou a esmo, deterioram-se jamais. o tempo talvez as apague por falta de uso, mas fazendo jus às pontas de porcelana que têm, a ferida nunca sara e some jamais. em tempo, a decisão um pouco meditada é de quebrá-las todas flechas, que são armas de verdade e não abstratas como se costuma imaginar num desses surtos de ingenuidade e alienação.
a identidade está na abstração dessa fissura pelo universo físico, tocável, sensível. está no regalo ou na pressão dos olhos quando tudo à volta se cala, na apreensão em ouvir quando escuro ou na caça singela suave ao aroma quando este se apresenta - no distúrbio dístone e desritmado da voz jamais.
a preferência pela madrugada faz com que o sol nasça sempre mais rápido e puxe com ele todas as sinfonias brutas de um mundo moderno quebrado. não fosse a comunicação incapaz e incompleta dessa nossa raça deitaríamos toda noite numa cama fria sem ter, no dia, ouvido uma palavra sequer. que nessas formas corpóreas de expressão tudo que há é uma jaula onde o retiro epírito-mental é apenas mais um artifício de tortura e onde as camas são não mais que pequenos infernos dos quais não podemos escapar.
o silêncio, em vez delas. o tato, em vez delas. o olhar, em vez delas. a audição, em vez delas. pois as palavras são grávidas e ter sentido talvez seja responsabilidade demais para qualquer um que ouse gerá-lo. pois as palavras são avessas e eu sou apenas um pretenso prepotente sem ponderação que, na falta de audição e fala mais maduras, opta pelo não-dizer e se contenta.
meu processo tem nome.
ele se chama quiescência.

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