sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Um Com o Mundo, Ar da Vida

Não fora difícil chegar onde ele estava.
Os seres humanos comuns considerariam sua travessia lendária. Mitológica. Impossível. Desprovida de qualquer credibilidade. Mas ele não acreditava nisso - afinal, havia conseguido facilmente escalar aquele pico rochoso, alcançando o topo do Mundo. Não, não fora difícil. Fora tão simples quanto qualquer outra coisa que já fizera em toda sua vida, ainda que todas essas coisas fossem alvo da parca fé do Homem, por serem desafios consideráveis. Mas ele não achava nada difícil, não encontrava nada que lhe fosse complicado. As coisas davam certo, sempre deram e sempre seguiram o caminho que ele desejava para si; só se desvirtuava desta rotina quando o Homem implicava e criava complicações desnecessárias, e, em boa parte das vezes, inexistentes. Aí sim haviam problemas (por mais que de natureza e fins bastante contestáveis).
Inventam problemas. Para escalar o pico, definiram - por algum misterioso motivo - que seus membros eram insuficientes para concluir satisfatoriamente uma subida; assim, criaram ferramentas. Picaretas e pinos para ferir a pedra, cordas para enlaçar a montanha e enforcá-la quando houvesse alguma queda. Mas ele não precisara de nada disso. As mãos nuas alcançavam as saliências no pico, que, de alguma maneira, eram moldadas com perfeição para apoiar mãos e pés. Saliências confortáveis e entrâncias cujo espaço parecia perfeitamente desenhado para que coubessem seus pés, sem problemas. Até a gravidade parecia invertida erroneamente, como um mero engano; ao invés de trazê-lo para baixo, o atraía de maneira suave ao pico que escalava, e assim parecia que a própria montanha ajudava-o a dar as passadas em sua acidentada superfície vertical.
Dificuldade? Nenhuma. O sorriso, jamais desistente, embelezava o semblante e dava vida a qualquer dia frio. Assim ele atingiu o topo do pico, o topo do Mundo. Com os dentes ao mundo e com a vida correndo por cada simples célula de seu corpo.
Lá em cima manteve a postura. Não se cabia mais que meio homem em pé, na curta superfície que dava ao pico um ar de um palco num mastro, e não haveria equilíbrio se não houvesse fé no tal; mas lá estava ele, como se fosse o topo ele mesmo, completando o pico, em pé, sem oscilar. Os dois pés juntos e os braços pensos aos lados do corpo.
O pôr-do-Sol iluminava sua fronte com um alaranjado distinto. As nuvens coloriam-se em milhares de espectros, entre o laranja da réstia solar e um violeta anunciador da penumbra; e nesta divisão ele também se encontrava; assim como iluminavam-se os raríssimos e maravilhados galhos e raízes, que o acompanharam por toda escalada, o seguiram furtiva e calmamente, e agora terminavam a subida, por perto de seus pés, com as pontas voltadas ao homem em aparente observação.
Ali, então, ele aguardou um tempo, sem tirar os olhos do Sol ou sequer piscar, o que impressionaria muitos. A impressão, na verdade, era que o reflexo que o Sol fazia em seus olhos era diferente do que se enxergava como Sol-comum; seus olhos brilhavam com um brilho sem projeção, que se guardava de dentro, que se guardava de onde vinha.
Seus olhos fecharam-se à medida que os braços passaram a erguer-se, e o peito encheu durante este movimento sutil. Seu corpo estava respirando. Não, não como um qualquer pelas narinas; a brisa vespertina, desejosa para com as criaturas que viriam ao lusco-fusco, dirigia-se a ele para alimentar os pulmões de cada célula com seu ar agradável. De todas as direções, os ventos calmos se manifestaram - de todas as direções, todos os ventos atingiram-no como uma carícia. Por todos os lados ele respirava cada única brisa que lhe envolvia naquela espécie de travesseiro de ventos. E quando seu peito inflou até o máximo, e quando seus braços quase se esticavam à altura dos ombros, e quando sua face carecia de espaço para suportar tamanho sorriso, ele desinflou. Usou da mesma calma com a qual havia inspirado todo aquele ar, e soltou-o de volta, dispondo do mesmo carinho que os ventos lhe haviam feito. E cada brisa saiu por onde entrara, em rodopios graciosos e suaves, que balançavam desde a copa das florestas abaixo até as mínimias folhas, folículos e insetos, numa dança divertida e estonteante.



3 comentários:

Anônimo disse...

Bom, como eu te disse me fez lembrar da Metáfora da Torre.
E deve ser extremamente bom poder fazer isso, pena que não tenho calma ou paciência ...

Te adoro muitãozão, Tilápia ;*

Anônimo disse...

Zé,
Acho que só uma coisa é mais difícil do que alcançar o topo: descobrir diariamente novos encantamentos numa estrada plana que não tem fim...

(Filhinho, você escreve é bem, hein, seu danado?)

Anônimo disse...

Eu deveria experimentar de vez em quando algo do tipo. ;P