sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Um Com o Mundo, O que Unge e Unifica

Mas ao que se passou o tempo, a chuva tornou-se um incômodo. Não havia nada mais a ser purificado, mas a água insistia em retirar-lhe mais um pouco de alma. Insistia com cada vez mais fúria e mais violência, até que o homem no topo do mundo fechou os olhos e abraçou seu próprio corpo, buscando proteção maior.
Não parecia temer seu suposto destino, no entanto. Desejava apenas que a dor a lhe acometer fosse mais suave, mas isso não era possível. As gotas em formato de agulha faziam-lhe feridas profundas no que ele conhecia por sua Alma, e ali se alojavam, fazendo com que cada movimento fosse mais um motivo para a agonia vir à tona. Já outras gotas, demonstrando piedade, tocavam-lhe suavemente a face e imitavam lágrimas. Sabiam que o homem que sofria com a tempestade não iria chorar, e fizeram-se, em existência efêmera, parte do homem, servindo-lhe como a emoção que tardava a sair.
Aquilo o acalmou, como lágrimas têm a capacidade de acalmar a quem chora. Soltou-se do próprio corpo. Abriu mais uma vez os olhos e encarou a tempestade sobre sua cabeça, e por um momento sentiu-se maior que ela; mais forte que ela. Mais capaz que ela. As vinhas deram-lhe a força que ele precisava, e os vaga-lumes lhe conseguiram tempo, sabe-se lá como. E ele reuniu o pouco ar seco que havia à sua volta, para encher os pulmões de revolta, até que o próprio corpo se tornasse combativo e quisesse devolver ao mundo aquele ar irado. E quando devolveu, foi em forma de grito, em volume tão alto quanto aquele pico havia de ser. Deu-se o grito, e de imediato, tudo brilhou - uma seta branco-azulado cortou os céus exatamente por sobre o pico, em um zigue-zague de perfeição e incontestável e velocidade assombrosa, cruzando o caminho da nuvem ao homem sem impedimento algum, até atingi-lo.
Aquele choque de forças dantescas foi suficiente para que o mundo inteiro soubesse o que acontecia. A Terra tremera a ponto de surgirem fendas, inúmeras, para engolir florestas e cortar cadeias montanhosas ao meio. O grito de revolta fez-se ouvir por todo universo. Mas o trovão precedeu o raio, e o raio silenciou a voz do homem que era um com a Natureza - como haveria de ser.
Enquanto as vinhas, ainda envolvendo o corpo, carregavam-no com calma para baixo, os vaga-lumes seguiam, em cortejo, ao que o pico se desfazia em pó à medida que a chuva parava de açoiteá-lo.
O corpo inerte repousou sobre a ruína que um dia fora o maior pico de todos - agora reduzida ao pó.
As vinhas tornaram-se a pureza do homem, e cobriram-no por completo - ali cresceriam, e brotariam flores e árvores.
A chuva agora afinava-se e gradativamente tornava-se brisa - molhava o corpo como se o beijasse.
A tempestade, a maior e mais terrível de todas, durara uma noite - e agora dava lugar ao alvorecer, que continha o coração do ser que sucumbira com a bênção do Sol.
Silenciou-se tudo. A Terra respirou, e todas as brisas moveram-se para dentro dela. E ao soltar o ar, o mundo recebeu calmaria e violência, ventinhos e furacões. O Sol encarou o planeta nos olhos. As estrelas piscaram, mais uma vez. A vida cresceu.
E o Campeão do Universo - aquele Um Com o Mundo - voltou ao pó de onde viera.



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