segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Oh Shi--

Num primeiro momento, fui tolo por acreditar que seria uma viagem de negócios; uma simples conferência, à qual me apresentaria e ponto final. Voltaria pra casa no Domingo de manhã, e continuaria a estudar. Foi uma viagem formal, até certo ponto. Apresentei minhas idéias, fui aplaudido de pé. Aí minha colega me chamou pra beber, e aqui estou. Não, não “estamos” – ela levantou há uma hora e voltou pro apartamento depois de receber uma ligação do namorado. Claro, não esperava que acontecesse alguma coisa entre a gente, mas tampouco tinha um boteco como idéia pro fim de Sábado; não costumava beber em viagens assim.

Num segundo momento, minha tolice veio de uma coisa tão corriqueira que qualquer um cairia nela: qual o problema em achar que seria uma viagem normal? Qualquer um faria, não? Então. Ponto final. Deu-se que não está sendo uma viagem normal. Estou num bar meio bizarro, num Estado que não conheço e que não é o meu, aquele no qual nasci, e todos os rostos que aqui figuram – rindo, bebendo, transando ou fazendo merda – são todos familiares. Parece que não é a primeira vez que os vejo, apesar de ser justamente essa a situação. É como um déjà vu bizarro. Sempre foi assim, só não me acontecia há uns anos. Na verdade se fosse esse o problema maior eu estaria bem pra porra.

A maior prova de que aquela era uma viagem fodida (e nem um pouco normal) foi quando a porta do bar abriu. Eu estava no balcão, olhando o longo espelho que fica na parede, logo atrás das bebidas, e vi a porta abrindo. Foi estranho. No exato momento em que isso se deu meu estômago virou. Não foi um friozinho de merda, não: foi uma reviravolta do cacete. Meu cérebro nem precisou pedir: a respiração se prendeu e eu quase estourei o copo de vidro que continha o uísque. Era você. Era você abrindo aquela bosta de porta, eu senti. Tava tudo num slow motion fodido desde que a maçaneta girou, que tocou o sininho, que a porta demorou horas pra abrir. Você nunca me disse que teu perfume viajava à velocidade da luz, ou que sabia fazer o tempo parar. Ninguém nunca me disse que bruxas tão fodidas e más que nem você podiam ser tão bonitas. Tão gostosas, tão atraentes. Era a tua mão gorda abrindo a porta, era eu me segurando pra não cair da cadeira e deixar meu intestino escorregar seus nove metros pela minha boca. Era você mesma entrando, e, porra, isso não era possível! Era você mesma. Sua bruxa filha da puta, por que aqui? Por que hoje? Por que você não está, sei lá, dando pra alguém? Por que veio ao bar?

Vi tudo pela merda do espelho. Você entrou, alta pra cacete, mais alta que eu; e usava salto plataforma, ainda por cima, como se não satisfeita com o metro e oitenta que deus te deu. Sua vaca, como você é bonita. Ciências biológicas, não é? É interessante, afinal; mas não valeria a pena se eles não ensinassem qual fruta bonita é venenosa e qual é saudável. Eu sequer te comi, mas passo mal sempre, sempre, sempre que você ressurge. Ressurge, vadia, e é do inferno, pode confessar. Sempre quente. Decote filho da puta, espartilho filho da puta. Saia de merda. Cabelos soltos. Olhos delineados. Caralho, sangue de quem você chupou esta noite pra ficar com esses lábios? Confessa. Confessa que você matou os mil caras que te olharam do caminho de casa até aqui, e sugou todos eles. Chupou todos eles, não importa onde, até esfolar a boca, até deixá-la tão vermelha e brilhante quanto está. Eu sei de tudo. Sei do pacto que você fez com o diabo pra que ele te desse esses dentes perfeitos. E você exibe com orgulho. Vê que o bar está cheio, cheio de oportunidades, cheio de caras pra te arrombar no fim da noite. E não me viu. Pra você eu sou o cara gostoso, mas que já bebeu demais. E você pensa isso pelo fato d’eu estar ofegando que nem um cachorro. Por eu ter perdido o fôlego assim que eu te vi. E você sabe que eu sei. Você sabe que não vai dar pra mim, e que eu não vou comer você. Por isso você caminha até mim. Disfarça, olha pra tudo quanto é lado, me ignora. Eu me curvo ao balcão, arregalo os olhos; seu perfume me dá ânsia, sua presença me dá asma, o ar que você locomoveu pra sentar no banco ao meu lado quase que me congelou por completo. E sentou ali só pra me provocar; só pra acabar de me foder.

“Me traz uma dose de absinto”. Filha da puta. Absinto é álcool pra cacete. Espero que você morra disso. “Qualquer um. Hehe, o mais verde que o senhor tiver!”. Flertou com o barman. Que vadia.

Que merda. Eu ofego, quero vomitar em cima de você. Quero amassar tua cara e destruir teus dentes branquinhos. Esfrego os olhos, mas a sensação não passa. Meu corpo tá todo arrepiado, eu me sinto fraco pra cacete e meu estômago não existe mais. É força pra tirar a carteira do bolso, abrir e jogar a grana no balcão. Só.

“Ô piá, tá passando bem?”

...

...

A mesma voz de sempre, falsamente preocupada – e quer saber de mim. E dessa vez quem tem a vantagem sou eu. Eu sei das coisas, você não sabe, você não me reconheceu: você se fode. Não vai mais me torturar. Não vai me torturar mais.

Ponho a nota de dez do lado do copo, com uma dificuldade do diabo. Levanto quieto, boquiaberto, absorto. Afirmo a jaqueta, caminho desesperado pra saída do bar, sem olhar pra trás. Ainda lembro do caminho até o hotel, mas não vou de carro. Primeiro porque a minha colega levou o carro. Mas não vou ligar pra ela. Não, nem fodendo. Preciso sair daqui o mais rápido possível. Táxi. Táxi. Qual a cor dos táxis nesse Estado de merda? Cadê os táxis?

Foda-se, bastou chegar um.

E me mandei.


Zé Eduardo Martin Roquetti
a 31 de Março de 2008

Um comentário:

Anônimo disse...

Uau! Incrível crônica.